Título: Delfim defende a estatização temporária do sistema bancário
Autor: Vizia,Bruno De
Fonte: Gazeta Mercantil, 29/01/2009, Brasil, p. A5

São Paulo, 29 de Janeiro de 2009 - A solução da atual crise econômica não está na redução de impostos, mas sim em uma "intervenção cirúrgica" no sistema financeiro, estatizando temporariamente alguns bancos e separando destes os ativos podres. Esta é a avaliação do ex-ministro e economista Delfim Netto, feita durante seminário sobre a economia em 2009, promovido pela agência de publicidade DPZ. Ele se disse bastante cético quanto às propostas de concessão de mais recursos aos bancos.

Segundo Delfim, a solução estaria em procedimento semelhante ao adotado por países nórdicos ou pelo Brasil, na década de 90, com o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer). "Sacrificamos 3% ou 4% do Produto Interno Bruto (PIB), mas resolvemos o problema", analisou, acrescentado: "É uma solução dramática, mas não vejo como precificar aquela ""sujeirada"" dos bancos".

Para o economista, a estatização não significa a morte do capitalismo, mas a regeneração de um processo que soma liberdade e eficiência. "Esse ciclo [negativo] não é produto da economia real, mas sim de uma patifaria autônoma do sistema financeiro, que deveria servir à economia real, mas se apropriou dela", explicou Delfim, ponderando, entretanto, que os novos produtos financeiros expandiram a economia nos últimos anos. "O sub-prime foi só o início, e é produto de uma idéia extremamente generosa, que é dar casa para quem não pode pagar", destacou.

Na origem dessas inovações financeiras estaria o sonho de que os economistas descobriram como precificar qualquer coisa, salientou o ex-ministro, acrescentando que com isso o sistema bancário inventou também instrumentos que destruíram a confiança. "O sistema financeiro depende da confiança dos agentes, e por isso é instável por natureza, tem em si a possibilidade de quebrar", argumentou.

Delfim afirmou que não há nenhuma forma de resolver a turbulência econômica só com políticas monetárias, pois, na crise, todos os agentes econômicos procuram a liquidez. "Ao reduzir impostos sou capaz de dar liquidez, mas não posso obrigar ninguém a gastá-la, e assim todo mundo fica líquido, e morre pobre e líquido", brincou o economista. Portanto, disse ele, o único instrumento que restaria é a ação estatal, que não depende dos outros agentes. Nesse sentido, ele considera que as medidas tomadas pelos presidentes Barack Obama e Luiz Inácio Lula da Silva estão corretas. "Se você põe R$ 1 em uma obra pública, gera R$ 2,4 de renda."

O economista criticou, entretanto, o tempo de resposta do governo brasileiro, afirmando que a política econômica está certa, mas atrasada. "Faltou ao governo ter coragem de dar mais conforto ao sistema bancário brasileiro, que é hígido, mas tem comportamento suicida", frisou. O comportamento suicida se dá, conforme Delfim Netto, porque esse sistema importou a crise, pois as empresas brasileiras estariam em boas condições. "A queda de atividade em dezembro é a prova de que [a crise] foi importada, pois não houve mudanças nas condições internas".

Projeções

Partindo de uma análise dos ciclos econômicos dos Estados Unidos, Delfim projetou para o Brasil queda de 3% a 4% na atividade produtiva durante os dois primeiros trimestres deste ano. "Em maio ou junho deveremos bater no chão, e levaremos mais três trimestres para recuperar", previu, acrescentando que o País "vai pagar o ônus de estar no mundo, mas com o bônus de crescer mais do que ele".

Delfim também qualificou como "uma completa loucura" a recente medida - já revogada - do governo brasileiro de dificultar as importações. "A única coisa que você não pode fazer na crise é diminuir o comércio global", avaliou o ex-ministro, lembrando os maus resultados das medidas protecionistas adotadas pelo governo norte-americano após a crise de 1929. "Nem acredito que essa medida [do governo brasileiro] foi feita", concluiu.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 5)(Bruno De Vizia)