Título: Fatia do setor público no crédito se aproxima dos 40%
Autor: Vizia,Bruno De
Fonte: Gazeta Mercantil, 11/02/2009, Brasil, p. A5

São Paulo, 11 de Fevereiro de 2009 - Para compensar a retração do crédito privado iniciada com a crise financeira internacional, o governo está aumentando a participação do setor público na concessão de crédito para a economia. A fatia dos bancos públicos no crédito total subiu de 34,2% em setembro para 36,3% em dezembro. Medidas recentes, como o reforço de caixa no valor de R$ 100 bilhões para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), apontam que essa participação deve se ampliar, podendo chegar a 38% ou 40% do crédito total nos próximos meses, avalia Bruno Rocha, economista da Tendências Consultoria Integrada. Para combater os efeitos da crise, o governo já injetou R$ 393,2 bilhões no mercado.

No entanto, os benefícios originados desse aumento não são unanimidade entre economistas consultados pela Gazeta Mercantil. Apesar de a maioria considerar que era inevitável que o governo compensasse a retração do crédito privado, muitos veem risco para a eficiência do sistema bancário nacional. Segundo Joe Yoshino, professor de Finanças da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), o Brasil pagará um preço muito alto no futuro, porque essas medidas concedem "poder de fogo para quem é menos habilitado para gerenciar crédito, que é o governo".

Ele considera que o ideal seria adotar mecanismo semelhante ao utilizado pelo BNDES, em algumas modalidades de fomento à produção, em que há um banco privado de segunda linha para avaliar o risco. "Nem precisa ser um banco privado. Pode ser uma cooperativa, desde que mostre desempenho. O governo não tem tradição em avaliar risco", afirma Yoshino.

Marcelo Moura, professor de Macroeconomia do Ibmec São Paulo, argumenta que, se não houver perspectiva de crescimento da economia, "não adianta dizer que o banco público vai oferecer crédito, porque não há demanda para investimento". Ele destaca que a economia, ao entrar em uma situação de retração, diminui a vontade das empresas investirem. Neste cenário, "não alivia querer ofertar, porque mesmo as taxas de juros do BNDES não são tão atrativas assim. Elas são mais decentes, mas a taxa real de juros ainda é alta, se comparada à cobrada por bancos de fomento de outros países para investimentos de longo prazo", acrescenta.

Já Julio Gomes de Almeida, professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), considera que, no contexto atual, esse aumento de crédito do setor público não tem nenhuma contraindicação. "Se não fizermos essa compensação pelos bancos estatais, vamos ter uma recessão interna muito forte. O governo está minimizando a queda."

Ele diz que a ocupação pelo setor público do espaço deixado pelo setor privado na concessão de crédito é positiva para a economia, e descarta qualquer risco de "estatização" do crédito. "Amanhã vai haver uma expansão da economia, e os privados tendem a crescer mais, reconquistando esse espaço", afirma.

Entretanto, Almeida argumenta que, sozinho, esse aumento na oferta de crédito não compensa a retração dos bancos estrangeiros privados. "O aumento do crédito por parte do governo não está se traduzindo em alívio e barateamento do crédito total, que continua caro e apertado", pondera. A solução, segundo ele, estaria em incentivar os bancos privados e estrangeiros a emprestarem mais, além de manter o bom desempenho dos bancos estatais nos empréstimos.

Também não há consenso sobre qual o limite de atuação do governo na área do crédito. Rocha, da Tendências, lembra que há um ano a preocupação do governo era o crescimento excessivo do crédito, o que levou a um aumento da taxa básica de juros (Selic), para frear esse movimento. Já em meados de 2008 essa trajetória se inverteu, com diminuição progressiva da participação do setor privado e aumento da participação pública.

Ele considera esse aumento importante para evitar uma desaceleração maior no mercado de crédito e para amenizar os efeitos da crise. Mas pondera que essa não deve ser uma estratégia de longo prazo, que pode ser danosa para a economia. "Existem evidências de que uma participação excessiva do setor público no segmento de crédito está associada a menores taxas de crescimento econômico e menor eficiência do setor bancário", destaca. O economista pondera que politicamente é difícil para o governo federal não forçar uma estratégia diferenciada para os bancos públicos, no momento em que o mercado de crédito está se retraindo, e dada a participação desses bancos no fornecimento de mais de um terço do total de crédito no País. O problema, diz Rocha, é que essa estratégia envolve riscos, e estes devem ser considerados para que as instituições públicas não tenham perdas. "Afinal de contas, o prejuízo seria de toda a sociedade", conclui.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 5)(Bruno De Vizia)