Título: Avanços diplomáticos
Autor: Hessel, Rosana ; Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 21/03/2011, Política, p. 5

A candidatura do Brasil para um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) segue sem o apoio da maior potência global, os Estados Unidos. Em novembro, ao visitar a Índia, o presidente norte-americano, Barack Obama, endossou a reivindicação do país, idêntica à brasileira. No sábado, quando esteve em Brasília, Obama limitou-se a uma declaração oficial de ¿apreço¿ à aspiração do Brasil. Ao contrário do que possa parecer, porém, isso não provocou grande frustração, segundo especialistas em relações internacionais. De um lado, os Estados Unidos avançam um passo em direção ao apoio. De outro, a diplomacia brasileira adapta o discurso das expectativas. ¿O Brasil é a favor da reforma do Conselho em primeiro lugar, depois de sua candidatura¿, afirmou o assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia. Luiz Felipe Lampreia, que foi ministro das Relações Exteriores no governo Fernando Henrique Cardoso, analisou o discurso do presidente norte-americano de forma otimista. ¿Os Estados Unidos nunca havia sido tão incisivos¿, disse ontem o ex-diplomata logo após sair do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Na avaliação de Lampreia, houve uma guinada nos rumos da diplomacia brasileira com o governo Dilma Rousseff em relação ao antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. Ele acredita em grandes avanços nas relações entre Brasil e Estados Unidos. ¿Lula tomou decisões polêmicas e acho que os EUA optaram por passar por cima disso ao demonstrar simpatia à candidatura do país ao Conselho¿, completou. Para o sociólogo Demétrio Magnoli, a declaração do presidente norte-americano passou longe de decepcionar. ¿Obama foi além da expectativa razoável¿, disse. Ele destacou que a política externa de Lula só afastaou o Brasil do Conselho de Segurança, sobretudo pela aproximação com ditadores. ¿O Brasil tem conquistado notoriedade no cenário geopolítico global com o crescimento econômico¿, adicionou, o que credencia a reivindicação brasileira. ¿O Conselho é hoje anacrônico, reflete um mundo de quando ele foi criado, em 1945¿, criticou o sociólogo. Segundo ele, a entrada de mais países, como Japão, Alemanha, Índia e Brasil, é mais do que razoável e nós temos chances de alcançar esse objetivo. ¿No entanto, o Brasil tem de romper vários obstáculos¿, afirmou. Discurso no Itamaraty No sábado, em almoço no Itamaraty, ao falar para empresários e políticos, Obama disse ser favorável à reforma da instância da ONU, mas não declarou apoio na forma incisiva que esperava parte da diplomacia brasileira. O Conselho tem 15 membros. Apenas cinco são permanentes e com direito a veto: Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China. Os demais são rotativos e têm mandatos de dois anos. O ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos Roberto Abdenur está entre os que esperavam claro apoio norte-americano a vaga no Conselho de Segurança. Mas tampouco se decepcionou. ¿Uma declaração mais forte teria sido o ideal. Mas, do ponto de vista diplomático, o foi bastante representativo. É um avanço considerável¿, afirmou. ¿O apoio para um trabalho na reformulação do Conselho é um compromisso importante dos EUA¿, completou. Os recados dados pelos presidentes Dilma e Obama vão além do pedido de apoio pela conquista de uma cadeira permanente, segundo o professor de relações internacionais do Ibmec-DF Creomar Souza. ¿Eles simbolizaram o anseio do Brasil em obter o reconhecimento de seu potencial político e econômico por parte de um dos maiores atores do cenário internacional¿, avaliou.

Sinais de mudança Ivan Iunes Larissa Leite Rosana Hessel A ressaca diplomática depois da visita de Barack Obama ao Brasil trouxe à terra firme indícios claros de que a presidente Dilma Rousseff deve retomar aspectos negligenciados pelo antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, especialmente em seu último ano de mandato. Saem de cena o Irã e o foco restrito nas relações com países do Hemisfério Sul e voltam à cena os vizinhos regionais mais próximos, como Argentina e Paraguai, além dos Estados Unidos e da China. O quadro da diplomacia brasileira nos próximos quatros anos, no entanto, divide opiniões. Perto do aniversário de 100 dias do governo Dilma, que se completam em abril, parte dos especialistas em política externa enxergam mudanças significativas em relação à era Lula. Outros veem poucas mudanças por ora. Mas um ponto é consensual: o Brasil não voltará a estreitar relações com o Irã em breve ¿ algo que aliás causou grande admiraçaão no governo Obama. Dentre os que veem mudanças substanciais nas relações exteriores do país está o cientista político Christian Lohbauer, integrante do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo (Gacint/USP), e o sociólogo Demétrio Magnoli. O início de uma reaproximação aos Estados Unidos seria uma demanda do setor industrial brasileiro. ¿Os empresários brasileiros não suportam mais esta agenda Sul-Sul que não traz tantos benefícios para o país¿, aponta Lohbauer. Segundo Magnoli, a nova linha da diplomacia brasileira que Dilma e Patriota começam a traçar provoca divergências internas no governo. O grupo contrário às mudanças nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos, recorda Magnoli, é encabeçado por Marco Aurélio Garcia, que era assessor de Lula na política externa e mantém o cargo no governo Dilma. Integravam o grupo o chanceler de Lula, Celso Amorim, que deixou o governo, e Samuel Pinheiro Guimarães, ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos e agora com um cargo na estrutura de governança do Mercosul. ¿Há sinais de uma guerra surda dentro do governo e da diplomacia sobre o futuro das relações entre Brasil e Estados Unidos¿, analisa. Para o cientista político David Fleischer, as pequenas diferenças na política internacional brasileira têm fundamento nos modelos de gestão da presidente e do antecessor. ¿ Dilma trata com mais pragmatismo e gerencia os assuntos, está mais fixada em questões econômicas, deixando ideologia e politicagem de lado. A aspiração ao Conselho de Segurança, no entanto, não mudou¿, afirma. A tendência é de que nos próximos meses Dilma dispense os encontros mais políticos e menos práticos, especialmente com o venezuelano Hugo Chávez e o boliviano Evo Morales, que serão entregues a Garcia e Patriota. ¿O posicionamento do Brasil no Conselho de Segurança na questão da Líbia, por exemplo, seguiu a linha tradicional da política brasileira, de autodeterminação e não envolvimento em assuntos internos de outras nações, que vem desde o início do século passado praticamente¿, diz o doutor em política internacional Virgílio Arraes, da Universidade de Brasília (UnB).

Autodeterminação Embora tenha sido criticada internacionalmente, a postura reticente da diplomacia brasileira em relação à intervenção militar na Líbia segue a tradição do país nas relações exteriores inscrita até mesmo na Constituição. O artigo quarto do texto constitucional estabelecido que o Brasil se rege nas relações internacionais pela autodeterminação dos povos e não intervenção. "Em toda a sua história recente, o Brasil só abandonou essa política duas vezes. A primeira em Santo Domingo, em 1965, e a segunda no Haiti, em 2004, por questões relativas ao interesse brasileiro em um assento no Conselho de Segurança da ONU", explica o professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB) Virgílio Arraes.

Três perguntas para... Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil em Washington Rosana Hessel O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse ter "apreço" pela aspiração do Brasil de ter uma vaga permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), o que não configura o apoio incisivo que seu país fez à reivindicação da Índia. Qual sua opinião sobre essa diferença de tratamento? Uma declaração mais forte teria sido o ideal. Mas os termos da declaração conjunta divulgada no sábado são muito representativos do ponto de vista diplomático. É um avanço considerável, um passo largo. Até configura um apoio maior e deixa claro que os Estados Unidos apreciam o interesse do Brasil em aspirar um assento permanente no Conselho de Segurança. Então o resultado foi positivo? O fato de Obama demonstrar apoio para um trabalho na reformulação do Conselho de Segurança é ainda mais representativo. É um compromisso importante. Eu preferia ter ouvido algo mais enfático. Mas foi indiscutivelmente além do que os Estados Unidos costumam se posicionar. A abstenção do Brasil na votação sobre a Líbia no Conselho de Seguraça da ONU na semana passada colaborou para que os Estados Unidos deixassem de dar um apoio mais enfático à candidatura brasileira? A questão da Líbia foi de última hora e não influenciou nessa decisão durante a visita de Obama ao Brasil. O presidente norte-americano foi mais longe do que os diplomatas dos Estados Unidos estavam esperando. Fez um gesto simpático à candidatura. Ele talvez não estivesse preparado para fazer algo em termos tão avançados como gostaríamos de ter ouvido. Mas com certeza foi um avanço na diplomacia entre os dois países.