Título: Crédito escasso reduz fatia de manufaturados nas exportações
Autor: Salgueiro,Sônia
Fonte: Gazeta Mercantil, 12/02/2009, Brasil, p. A9

São Paulo, 12 de Fevereiro de 2009 - Na esteira da alta desenfreada das cotações de commodities agrícolas e metálicas registrada no ano passado, o peso dos manufaturados nas exportações brasileiras - que já vinha caindo desde o final do século XX - sofreu uma retração significativa. Em 2008, os manufaturados participaram com 46,8% das vendas externas nacionais, contra os 52,2% de 2007 e os 59% de 2000. Na outra ponta, a fatia dos produtos básicos aumentou de 32,1% para 36,8%.

O cenário para este ano ainda é incerto, segundo especialistas em comércio internacional. De um lado, o câmbio mais atraente pode alavancar a venda de manufaturados, que devem ter sua participação relativa elevada também por conta dos preços mais modestos das commodities, analisa José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). O problema, no entanto, é que o mundo todo convive com o fantasma do crédito escasso, e linhas de financiamento são essenciais à exportação de bens industrializados, diz Castro. A queda da demanda pode ser outra dificuldade para os manufaturados.

Na opinião do professor Evaldo Alves, da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os básicos podem se aproximar ainda mais dos manufaturados neste ano devido à crise internacional. "Nossa indústria está muito voltada ao setor eletromecânico (automóveis, autopeças, eletrodomésticos, etc.) e esse segmento é o que mais sofre em tempos de crise porque tem produtos de alto valor unitário e que não são essenciais", analisa o professor. "Isso pode acentuar ainda mais o perfil do agronegócio na nossa pauta de exportação, porque alimentos e insumos alimentares continuam sendo comprados com ou sem crise."

A maior alta dos produtos básicos, em detrimento dos manufaturados, é negativa para o País, na opinião de Castro, da AEB, porque as cotações das commodities variam ao sabor do vento. "Enquanto nos manufaturados é o exportador que define o preço, nas commodities o preço é determinado pelo mercado", diz o dirigente da associação de comércio exterior. Evaldo Alves concorda: "A commodity oscila muito", diz ele.

O professor da FGV afirma que a mudança no perfil da balança comercial é reflexo do processo de globalização. "Países com um nível de desenvolvimento similar ao nosso, como China, Índia e Coréia, passaram a buscar um aumento de eficiência na sua política industrial." Nesse contexto, esclarece o professor, a Índia avançou muito em informática e produtos farmacêuticos e a Coréia, em automóveis e eletrodomésticos. "Nós, ao contrário,

aumentamos nossa eficiência quase que exclusivamente no agronegócio. Por isso perdemos espaço nessa corrida."

Alves entende que, além de manter o foco na agroindústria, é preciso investir também em setores de tecnologia de ponta (informática, química fina etc.). "O ideal é diversificar investimentos, não desprezando áreas em que já somos fortes, como a agroindústria, o segmento aeroespacial e o setor de tecnologia bancária", exemplifica.

"Com os produtos básicos, nós dependemos mais das ações do mundo para fazer nossas exportações crescerem e menos de nós mesmos", resume Castro, da AEB. Já com os manufaturados, além de preços mais estáveis, há mais receita e maior geração de empregos. "Para produzir uma tonelada de soja, é preciso um homem e uma máquina. Já a fabricação de um calçado envolve muito mais gente", diz.

Na opinião de Castro, a perda de participação dos manufaturados na nossa pauta de exportação decorre da falta de promoção do produto brasileiro no exterior. "Não é preciso fazer campanha para commodities porque todo mundo sabe quem exporta soja, laranja, milho, trigo, etc.", comenta. Segundo o dirigente, a promoção comercial foi nula no governo Lula para vários destinos, como o mercado norte-americano, principal cliente dos nossos produtos. "Não tivemos, desde 2003, nenhuma missão comercial aos EUA chefiada pelo presidente ou por algum ministro."

Além do aspecto da promoção o câmbio faz mais diferença nos manufaturados do que nos produtos básicos. Com a paridade dólar-real que vigorou até setembro de 2008, o produto brasileiro ficou pouco competitivo no exterior. Para completar, acrescenta Castro, a logística é mais relevante numa exportação de manufaturado. "A concorrência é muito maior nos produtos industrializados, o que exige uma logística adequada. Já nas commodities, o comércio acontece com ou sem logística, porque o comprador tem poucas opções", comenta o vice-presidente da AEB. Em soja, por exemplo, pode-se comprar de Brasil, Argentina e Estados Unidos; em café, de Brasil, Colômbia e, mais recentemente, do Vietnã.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 9)(Sônia Salgueiro)

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