Título: Os desafios da cultura no Brasil
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Fonte: Correio Braziliense, 21/03/2011, Opinião, p. 12

Em um país onde educação e cultura não aparecem como prioridade nem nos discursos políticos, muito menos em ações concretas, a polêmica envolvendo Maria Bethânia pode transcender o debate limitado sobre quanto vale o show ¿ ou o blog ¿ e promover discussões mais densas sobre leis de incentivo à arte no Brasil. Carente de recursos e de diretrizes, essa área diretamente vinculada ao fortalecimento da identidade nacional e à defesa de patrimônios vem sendo negligenciada.

A cantora baiana viu-se no centro de uma controvérsia ao ter um de seus projetos contemplado, pelo Ministério da Cultura, com R$ 1,3 milhão em renúncias fiscais. A ideia encampada por Bethânia é a de criar um blog com vídeos diários de um minuto, postados durante um ano inteiro, nos quais a artista interpretaria poesias, sob coordenação do sociólogo Hermano Vianna e direção de Andrucha Waddington. Um dos nomes mais célebres da MPB viu-se diante de denúncias de apropriação indevida do dinheiro público.

Segundo a Lei Rouanet, à qual Bethânia recorreu em busca de financiamento, pessoas físicas ou jurídicas que aceitam patrocinar projetos culturais podem ser beneficiadas com dedução no Imposto de Renda. Aprovada em 1991, como instrumento pioneiro de incentivo à participação de setor privado na vida artística brasileira, seu formato estava longe do ideal. E os problemas continuam. Somente 20% dos produtores que obtêm aprovação da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) têm sucesso na busca por patrocinadores.

No ano passado, a Região Sudeste ficou com 78% do dinheiro liberado para captação via Lei Rouanet. Entretanto, mesmo com o sinal verde do ministério, há estados que não arrecadaram nem R$ 100 mil da iniciativa privada em 2010, como Roraima, Tocantins, Acre e Amapá. Como resultado do desinteresse do empresariado, de cada R$ 10 investidos na cultura atualmente, R$ 9 saem dos cofres públicos ou de incentivos fiscais.

Sem a intenção de reduzir a questão ao caso específico de Maria Bethânia ¿ o que seria uma injustiça à sua excepcional carreira ¿, medidas de aprimoramento da legislação precisam ser negociadas. O furor causado pelo blog, a tramitação no Congresso Nacional de iniciativas como o Procultura e as propostas de reformas mais pontuais na Lei Rouanet, além da diminuição significativa dos recursos do MinC em 2011, tornam o momento atual propício para argumentações sobre como promover de maneira eficaz a riqueza cultural brasileira.

No fim de 2010, eliminou-se a burocrática avalizada exigência de apresentação de documentos impressos ao Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic). Nota-se um crescimento na quantidade de artistas iniciantes que conseguem patrocínio. No entanto, o hábito entre os mecenas modernos ainda é restringir sua atuação aos grandes centros e favorecer celebridades. Romper com essa tendência é apenas um dos desafios da pasta de Ana Buarque de Hollanda.