Título: Queda recorde no PIB mostra gravidade da crise no Japão
Autor: Salim,Marcel
Fonte: Gazeta Mercantil, 17/02/2009, Internacional, p. A14

São Paulo, 17 de Fevereiro de 2009 - A economia do Japão já pode ser considerada a mais afetada pela crise no sistema financeiro mundial. O Produto Interno Bruto (PIB) sofreu uma queda abrupta de 12,7% no quarto trimestre de 2008, em relação ao mesmo período de 2007, e de 3,3% com relação ao trimestre anterior.

O retrocesso do PIB da segunda economia mundial e primeira da Ásia foi o mais forte desde a retração de 13,1%, em ritmo anual, registrada no primeiro trimestre de 1974, em plena crise mundial do petróleo, e mostrou que a desaceleração no país asiático é a mais intensa entre as nações desenvolvidas.

Outras economias do grupo dos países ricos, como a dos Estados Unidos - com um crescimento negativo de 1% nos últimos três meses - ou a da Eurozona - com uma contração de 1,5% - não sofreram tanto no último trimestre de 2008.

Recessão profunda

O aprofundamento da recessão no Japão foi ainda mais acentuado que o esperado. Os economistas previam contração de 11,6% em termos anuais, e de 3% em relação ao trimestre anterior, segundo uma pesquisa realizada pelo jornal econômico Nikkei com 22 especialistas.

Definitivamente, a recessão se consolidou no Japão, com uma queda no crescimento para 2008 de 0,8%, resultado registrado pela primeira vez em sete anos, e com previsões ainda mais negativas para 2009. O governo calcula uma contração de 2% neste ano.

O economista Cristiano Souza do Banco Real é ainda mais pessimista. "A economia japonesa foi intensamente afetada, mais que Europa. Vai ser um ano difícil para o Japão. É esperado que o PIB do país asiático registre contração entre 3% e 4%", afirmou.

"Essa é uma economia única no mundo. Há 20 anos está estagnada, com taxa de juros próxima a zero e deflação", analisa Filipe Albert, economista da Tendências Consultoria. "A partir do segundo trimestre, pode ser que venham dados menos ruins. Mas não espero por uma reação significativa na metade de 2009", acrescenta.

A velocidade com a qual a economia japonesa perde força chamou a atenção dos analistas, que também viram nos últimos meses de 2008 como diminuíram os investimentos de capital (5,3%), no setor imobiliário (5,7%) e no setor público (0,6%).

Produção industrial cai

Para piorar, a forte queda no PIB japonês veio acompanhada dos dados revisados da produção industrial nipônica, que registrou recuo recorde de 9,8% em dezembro, após diminuir 8,5% em novembro. A baixa foi atribuída à queda da demanda mundial e a valorização do iene, que tiveram um efeito multiplicador negativo para o Japão e fizeram com que as exportações, responsáveis por 20% do PIB, caíssem 13,9% no último trimestre de 2008.

A vertiginosa redução da demanda internacional, especialmente na área de eletrônicos e de automação, diminuiu em três pontos percentuais o PIB dos três últimos meses do ano passado. No mesmo período, a demanda interna - componente essencial de 55% do PIB do Japão - se retraiu.

Poupança, não consumo

"O povo japonês é propenso à poupança e não ao consumo. Falta dinâmica na demanda doméstica", ressalta o economista da Tendências Consultoria. A média anual de gastos domésticos no Japão caiu 1,9% em 2008, em relação ao ano anterior, para 3,5 milhões de ienes (US$ 38.460). O resultado representa o maior declínio no indicador desde que foi criado em 1978.

Para Cristiano Souza do Banco Real, o problema com a demanda doméstica não afeta apenas o Japão, mas também os demais países do continente asiático. "Desde que a região vivenciou uma crise entre 1997-1998, a população poupa mais e gasta menos, o que afeta as exportações. Este cenário seria revertido se os governos estimulassem ainda mais a demanda interna e reduzissem a dependência externa", declarou o economista.

A queda das importações da China, que caíram 43,1% em janeiro, para US$ 51,34 bilhões, também foi um fator negativo para as companhias exportadoras nipônicas. O Japão figurou como o terceiro maior parceiro comercial do gigante asiático, totalizando US$ 14,5 bilhões em trocas comerciais. A cifra é 28% menor quando comparada ao primeiro mês de 2008.

Iene em alta

A valorização da moeda japonesa frente ao dólar também merece destaque, já que tornou menos atrativa a venda de produtos nipônicos no exterior. A divisa norte-americana era negociada a 123,86 ienes em 22 de junho de 2007, quando atingiu seu menor nível frente à moeda japonesa. Ontem, o dólar fechou cotado a 91,65 ienes em Tóquio. Apenas neste período , a queda foi de 26%.

"Todas as moedas do mundo se desvalorizaram frente ao dólar em 2008. Só o iene se valorizou, dificultando as exportações e provocando corte de produção e demissões em massa em grandes multinacionais, como Toyota, por exemplo", comenta Filipe Albert.

Futuro incerto

As inúmeras informações pessimistas levaram o ministro de Economia do Japão, Kaoru Yosano, a reconhecer que seu país enfrenta a pior crise econômica desde a Segunda Guerra Mundial.

A taxa de desemprego no Japão subiu para 4,4% em dezembro de 2008. Um relatório apresentado por associações trabalhistas a legisladores do gover-namental Partido Liberal-Democrata (PLD) mostrou que mais de 400 mil trabalhadores temporários do setor manufatureiro deverão perder seu emprego entre outubro e março devido à crise mundial, elevando a desconfiança dos cidadãos.

O Índice de Confiança do Consumidor do Japão recuou para 26,2 pontos em dezembro de 2008, ante 28,4 pontos registrados no mês anterior. O resultado representa o mais baixo nível observado no país desde 1982, quando as autoridades locais começaram a coletar os dados para a elaboração do indicador.

Pouco espaço

Com a taxa básica de juros próxima a zero, atualmente fixada em 0,10% ao ano, o Banco do Japão (BoJ) não tem espaço para atuar. "A grande preocupação das autoridades japonesas no momento é evitar conseqüências negativas para a população. O governo está preocupado em atenuar os efeitos da crise, já que possui pouca capacidade de elevar o crescimento da economia", afirmou Alcides Leite, economista e professor da Trevisan Escola de Negócios.

O governo do primeiro-ministro Taro Aso, que vive seus dias de popularidade mais baixa, tentou frear a forma que a crise está tomando com duas ampliações orçamentárias antes que termine o ano fiscal de 2008, em abril, para assim fornecer liquidez aos consumidores e às empresas com urgência.

Além disso, o Estado fornecerá fundos no valor de três trilhões de ienes (US$ 32,62 bilhões) para reverter os prejuízos dos grandes exportadores do Japão, enquanto o BoJ se encarregará de comprar dívida de empresas e de ajudar o setor financeiro japonês.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 14)(Marcel Salim/InvestNews)