Título: Precedentes sinalizam que STF pode manter nova medida provisória
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/09/2004, Legislação, p. A-8

Um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) defendeu ontem, de forma reservada, a edição de uma nova medida provisória (MP) que autorize o plantio e a comercialização de soja transgênica na safra 2004/2005. Trata-se de um recado positivo para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que analisará hoje no Palácio do Planalto pedidos de parlamentares e de representantes do agronegócio em favor de uma nova MP. Afinal de contas, caberá ao STF julgar uma eventual ação contra a medida, se ela for baixada.

Pelo menos outros dois precedentes sinalizam que uma nova MP pode ser mantida pelo Supremo, apesar de uma liminar da Justiça proibir o plantio e a venda da soja transgênica Roundup Ready, patenteada pela Monsanto, no Brasil. Os ministros ainda não analisaram a ação direta de inconstitucionalidade ajuizada no ano passado contra a MP convertida em lei que liberou a soja geneticamente modificada na safra 2003/2004. A colheita dos grãos já foi inclusive realizada. É possível que a história se repita em relação à safra 2004/2005.

Além disso, os ministros suspenderam por unanimidade, em dezembro passado, uma lei paranaense que vetava o cultivo e a comercialização de transgênicos. Para o STF, a legislação sobre o assunto é de competência exclusiva do Executivo Federal. Segundo o ministro do STF ouvido de forma reservada, os juízes não poderão reclamar se uma nova MP for editada porque não conseguem decidir o processo judicial sobre os transgênicos, que se arrasta há anos. O ministro acusa a Justiça de "autismo" ao analisar o caso.

E cita a decisão da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília, datada de junho, para ilustrar a situação. Os desembargadores reconheceram a competência da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para liberar os transgênicos no País. O parecer da CTNBio foi favorável à Monsanto no caso da Roundup Ready. Apesar disso, os desembargadores mantiveram a proibição do plantio e da venda do grão da multinacional em território brasileiro.

"A decisão é o pior dos mundos. Perderam qualquer senso de razoabilidade", diz o ministro. Ele acrescenta que a MP superaria o obstáculo judicial e deixaria dentro da legalidade os agricultores, que nada teriam a ver com as dificuldades do Judiciário e do Legislativo em avançar no tema. Oficialmente, o presidente Lula não está disposto a assinar MP autorizando a soja transgênica na próxima safra. O chefe do Executivo preferia ver a regulamentação da matéria por meio da aprovação da nova Lei de Biossegurança, o que não aconteceu em setembro devido à falta de consenso no Congresso.

Diante da pressão de parlamentares e agricultores, o Palácio do Planalto assumiu, na última sexta-feira, que o presidente Lula discutirá hoje a possibilidade de edição da MP. No ano passado, Lula prometeu à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que a questão seria regulamentada em definitivo. Ainda não foi. Reside aí uma das razões da relutância presidencial. "Deixa o Lula voltar (dos Estados Unidos). É uma discussão que o governo ainda não fez", afirmou Marina, que esteve ontem na Casa Civil.

Contrária à MP, a ministra garantiu que não tratou do tema no encontro. Além de descontentar Marina, a edição de medida provisória liberando os transgênicos na safra 2003/2004 provocou protestos de magistrados. "A edição de MP em sentido contrário à decisão judicial seria crime de responsabilidade passível de punição, inclusive com o impeachment do presidente Lula", afirmou, em setembro do ano passado, o desembargador do TRF Antônio Souza Prudente. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) também criticou a iniciativa, considerada uma sujeição a "interesses meramente econômicos".