Título: Tensão na Câmara Legislativa
Autor: Medeiros, Luísa
Fonte: Correio Braziliense, 21/03/2011, Cidades, p. 20

O fantasma da Caixa de Pandora assombra novamente os corredores da Câmara Legislativa. Com a divulgação do vídeo em que a ex-distrital e atual deputada federal Jaqueline Roriz (PMN) aparece recebendo dinheiro das mãos do operador e delator do esquema de corrupção, Durval Barbosa, há uma temerosa expectativa de que surjam a qualquer momento novas denúncias envolvendo outros parlamentares. O assunto foi tratado com reserva na Casa e só nos últimos dias pessoas ligadas a Jaqueline fizeram pronunciamentos públicos sobre o caso. Deputados reeleitos que foram citados no inquérito policial do escândalo mantiveram-se alheios a manifestações, como é o caso de Benício Tavares (PMDB), Rôney Nemer (PMDB), Aylton Gomes (PR) e Benedito Domingos (PP).

A única cassada na Câmara Legislativa pelas bombásticas declarações e filmagens do ex-secretário de Relações Institucionais é Eurides Brito (PMDB). Ela protagonizou um vídeo enchendo a bolsa com dinheiro entregue por Durval. Leonardo Prudente e Júnior Brunelli ¿ eles estrelaram cenas inesquecíveis de agradecimento da suposta apropriação indevida de recursos públicos, conhecida como ¿oração da propina¿ ¿ renunciaram para não encarar o processo de quebra de decoro parlamentar e as possíveis punições. A mais severa é a perda do mandato. Como fez Eurides no passado, Jaqueline admitiu, em nota, na última semana, que recebeu de Durval ¿recursos financeiros para a campanha eleitoral, que não foram devidamente contabilizados na prestação de contas.¿

Outros deputados citados no processo do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no inquérito da Polícia Federal (PF) ¿ Benício Tavares, Rôney Nemer, Aylton Gomes e Benedito Domingos ¿ foram absolvidos pelos colegas por ¿falta de provas¿ e legitimados nas urnas pelos eleitores. Em 26 de novembro de 2010, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Ética e Decoro Parlamentar da Casa arquivou, por três votos favoráveis, um contrário e uma declaração de impedimento, as investigações contra os distritais. Defenderam o arquivamento dos processos Aguinaldo de Jesus, Batista das Cooperativas e Paulo Roriz, ex-distritais que não foram bem-sucedidos na última eleição.

Clima Colegas parlamentares e funcionários da Câmara dizem que o ¿clima de constragimento¿ é inevitável na instituição. ¿Deve ser por isso que nenhum dos envolvidos quer falar muito sobre o assunto¿, afirmou um deputado. Uma servidora de carreira disse que ¿há uma certa tensão no ar¿. ¿De novo, a Câmara está em xeque. Depois, reclamam da imagem desgastada dela.¿ Na última semana, não houve espaço para votação no plenário da Casa. Aliás, o ritmo de apreciação de projetos desde o início do ano legislativo está lento: ao todo, foram sete votados (seis do Executivo e um de autoria parlamentar).

Além da repercussão de mais um capítulo da Caixa de Pandora, os distritais estão preocupados com a divisão dos cargos administrativos. Apesar de estar em pleno funcionamento legislativo há um mês e meio, a partilha dos espaços ainda não foi feita. O combinado é que cada parlamentar tenha 12 cargos, mas um ato da Mesa Diretora publicado na véspera do carnaval decretou a reserva de 17 vagas só para a diretoria. ¿Nosso papel é acompanhar, não investigar. Não dá para desvincular os fatos (caso Jaqueline Roriz) do ponto de vista político, mas do formal. A Casa conseguiu exportar seus problemas para o Congresso Nacional¿, afirmou o líder do governo, Wasny de Roure (PT).

Silêncio quebrado A estratégia do silêncio foi rompida na última terça-feira, quando a distrital Liliane Roriz (PRTB) falou em plenário pela primeira vez sobre a situação da irmã Jaqueline ¿ há exatos 11 dias após a divulgação na imprensa do vídeo de Durval. Numa atitude corajosa, ela pediu transparência e isenção na apuração do fato. O pronunciamento dela, no entanto, foi provocado indiretamente pelo líder de governo, Wasny de Roure (PT), o primeiro a abordar o assunto publicamente na Casa. Ele lamentou que a filmagem não tenha sido divulgada antes da eleição e criticou a maneira de Durval de revelar ¿a conta-gotas¿ as informações do escândalo.

Em discurso emocionado, Liliane disse que as cenas são significativas e fortes. Além de defender o aprofundamento da investigação e a realização de um ¿julgamento justo¿, ela tentou desvincular a imagem dela à da irmã investigada. Oriundas da mesma base eleitoral, as duas nutrem uma rivalidade política. Liliane falou que faz parte de ¿uma nova geração que tem como compromisso banir e superar as velhas práticas¿. Para deixar o assunto mais claro, ela foi direta ao ponto: ¿Vídeo meu, não há¿. A distrital ressaltou que o financiamento de campanhas por meio de caixa dois não é um ¿fenômeno brasiliense¿ e citou o ¿mensalão do PT¿ na esfera federal.

Os distritais Dr. Michel (PSL) e Agaciel Maia (PTC) parabenizaram Liliane pelo discurso. Dr. Michel, à época em que estava a frente da 35ª Delegacia de Polícia, em Sobradinho II, foi acusado por uma empregada de torturá-la para confessar um crime que ela supostamente não teria cometido. Já Agaciel, ex-diretor-geral do Senado, é o pivô dos atos secretos na instituição.

Negativa Dois dias depois, a distrital Celina Leão (PMN), ex-chefe de gabinete de Jaqueline, ratificou a ligação com o clã e afirmou que ¿não negaria seu passado¿, mesmo quando foi abandonada ao longo de sua campanha eleitoral. Apesar de ter sido coordenadora política da campanha de Jaqueline, Celina garantiu nunca ter recebido nada de Durval.

O Correio não conseguiu contato com Benício Tavares, Rôney Nemer e Aylton Gomes. Benedito Domingos, por meio de sua assessoria, informa que nada tem a dizer sobre os desdobramentos da Caixa de Pandora. (LM)