Título: 1,6 milhão de adesões
Autor: Maakaroun, Bertha ; Souto, Isabella
Fonte: Correio Braziliense, 22/03/2011, Política, p. 2

Transformar em lei a vontade popular de retirar do processo eleitoral corruptos e condenados pela Justiça não foi fácil, mas contou com algo fundamental: o clamor de 1.604.815 brasileiros. Foram quatro anos de debates e uma campanha que envolveu diversas entidades, entre elas a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Primeiro era preciso que pelo menos 1,3 milhão de eleitores, levando em conta todos os estados, concordassem com a ideia e dessem sustentação a um projeto de iniciativa popular para aprovação no Congresso Nacional. O passo seguinte era mais complicado: convencer deputados federais e senadores a aprovar uma legislação que poderia, no futuro, impedi-los de disputar cargos públicos.

A Ficha Limpa virou tema da campanha da fraternidade da CNBB de 2008, intitulada Em defesa da vida. A ideia recebeu a adesão de várias entidades da sociedade civil e, em maio do mesmo ano, a campanha pelo voto em candidatos com ficha limpa virou tema de encontros religiosos no país inteiro. A partir daí, ganhou as ruas em busca do apoio popular por meio das assinaturas dos eleitores. Bastou pouco mais de um ano para atingir 980 mil pessoas ¿ número ainda insuficiente para a elaboração do projeto.

O tempo para completar as assinaturas necessárias era curto, pois o projeto teria que ser enviado ao Congresso até o início de outubro, um ano antes das eleições. Em setembro de 2009, foi então lançada nova campanha, batizada de ¿300 mil assinaturas em 30 dias¿. Em diversas paróquias foram feitos apelos aos fiéis, durante as missas, para a adesão ao projeto. Um site arquivava o formulário para que eleitores preenchessem e entregassem nas igrejas. O ator Milton Gonçalves integrou a campanha e gravou um vídeo veiculado na internet para defender a campanha.

Resultado: os organizadores conseguiram 300 mil assinaturas a mais que as necessárias. Em 29 de setembro de 2009 foi entregue à Câmara dos Deputados o projeto que tiraria da vida pública quem tivesse ficha suja. A nova batalha passou a ser convencer deputados federais e senadores a aprová-lo. Apenas em fevereiro do ano passado ¿ quase cinco meses depois de entregue ¿, o projeto começou a tramitar, culminando na aprovação em abril.

No meio do caminho, integrantes do movimento tiveram que ceder em alguns pontos e aceitar alterações no texto original ¿ estratégia para evitar que o projeto fosse engavetado. A proposta vedava a candidatura de condenados em primeira instância, restrição que foi trocada para condenação em tribunais. Também passou a ser possível a candidatura de alguém que obtiver na Justiça a suspensão da condenação. Aprovado na Câmara, o projeto seguiu para o parecer dos 81 senadores.

Adoção Em 19 de maio, os 76 senadores presentes no plenário aprovaram o projeto sem qualquer modificação para evitar que ele retornasse à Câmara ¿ o que atrasaria a discussão e diminuiria as chances de a lei entrar em vigor nas eleições de outubro. Duas semanas depois, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) transformou o apelo popular em lei. Com o seu ato, veio um longo debate jurídico. A nova lei deveria ser adotada nas eleições de outubro de 2010? Condenados antes da sanção da lei estariam enquadrados nela?

O assunto chegou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que decidiu: as novas regras deveriam ser adotadas nas eleições de outubro, com aplicação mesmo a condenados antes da sua edição. Candidatos insatisfeitos com a legislação ¿ e com o entendimento dos ministros do TSE ¿ recorreram então ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de garantir a sua candidatura ou a validade dos votos recebidos em outubro. Exatos 32 recursos tramitam hoje no Supremo, a quem caberá a palavra final sobre a aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa.