Título: O redesenho das bancadas após o pleito
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/09/2004, Política, p. A-8

A volta dos trabalhos no Congresso, que só ocorre de fato após o segundo turno das eleições, no final de outubro, sinaliza para um novo desenho político ao Parlamento. Na Câmara, os partidos de esquerda querem se unir para ter mais cacife na hora de negociar os projetos. No Senado, os dissidentes do PFL mantém acesa a proposta do chamado grupo da governabilidade.

Nas duas Casas, petistas insatisfeitos querem discutir os rumos da política econômica. Tudo depois de uma disputa eleitoral que ainda não aponta vencedores. "Não há nenhum problema, dentro de uma democracia, que haja debates políticos. Só vamos saber se isso será uma solução ou um problema depois", afirma o líder do PT na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP).

Nenhuma peça deste cenário se move antes do término das eleições. Até porque o resultado que surgir das urnas também terá um papel preponderante. Ninguém sabe ao certo quais partidos sairão fortalecidos ou enfraquecidos das disputas municipais. Outro componente será o desempenho do governo. Se a economia continuar em céu de brigadeiro, o Planalto se mantém forte e traz consigo os partidos aliados. Caso contrário, as vozes da oposição passam a ecoar com mais força nos salões parlamentares.

"Esse é o resultado do nosso sistema partidário, deficiente, onde os caciques têm mais força que as legendas", resumiu o cientista político Paulo Kramer.

É exatamente em busca de mais força nas discussões que as legendas de esquerda querem se unir na Câmara. Nada de Federação Partidária nem mesmo bloco, como chegou a ser divulgado. Partidos como o PPS, PSB, PV, PCdoB e até o PDT querem aproveitar a afinidade ideológica para ter uma participação mais incisiva nas discussões políticas. "Nós queremos participar com mais densidade, não ficar a reboque de partidos como o PTB e o PL, só porque têm uma bancada mais numerosa", diz o líder do PPS na Câmara, Júlio Delgado (MG).

O líder do PSB na Câmara, Renato Casagrande (ES), confirma as articulações. Lembra que, isoladamente, os partidos de esquerda têm pouco poder de fogo no Congresso ¿ a maior bancada é a do PPS, com 23. Somados, no entanto, PDT, PCdoB, PPS, PSB e PV contam com 89 deputados.

"Não é um movimento contra o governo. É a favor de nós. Não estamos discutindo a formação de um bloco, somos todos da bancada governista. A aglutinação tem como base uma afinidade política", resumiu Casagrande.

O deputado Ivan Valente (PT-SP) faz parte de outro grupo que tenta alçar vôos políticos mais consistentes. São os rebeldes remanescentes do PT, que já foram 30 e hoje reúnem pouco mais de dez. Mantém contatos com senadores do partido, como Paulo Paim (RS), e tentam colocar-se como um contraponto às políticas neoliberais do governo do PT.

"Queremos politizar o debate, contestando os rumos econômicos do governo Lula. Prova que estamos certos é que, apesar do arrocho imposto até agora, eles ainda pensam em aumentar ainda mais o superávit", lembrou Valente (SP).

Com isso, de acordo com o petista, joga-se praticamente por terra todo o esforço até o momento para se conseguir algum crescimento. Segundo Valente, os bons resul-tados até o momento são um engodo econômico. "Países que entram em recessão profunda, chegam ao fundo do poço, só podem crescer no ano seguinte. Prova disso são a Argentina e a Venezuela, que cresceram 10% e 13%", exemplificou o petista.

O ritmo das eleições também deixou em banho-maria a crise interna no PFL, onde os dissidentes liderados pelo senador Antônio Carlos Magalhães (BA) querem criar o grupo da governabilidade.