Título: Governo federal sabia de demissões na Embraer
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 25/02/2009, Brasil, p. A4

São José dos Campos (SP), 25 de Fevereiro de 2009 - A alta cúpula do governo federal sabia das demissões ocorridas na Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), no último dia 19, há mais de 75 dias. O anúncio foi feito em 03 de dezembro de 2008 à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. O presidente Lula, além do diretor-geral do BNDES, Luciano Coutinho, também tinha conhecimento do caso, apesar de todos os envolvidos se apresentarem "perplexos" com a atitude da companhia.

Uma série de fatos apresentados pelos integrantes do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos comprova que houve, no mínimo, a intenção de burlar a opinião pública. "Nós tentamos de todas as maneiras obter informações da Embraer durante todo esse período e não conseguimos nada. As demissões não devem parar, até porque ainda existe a possibilidade do agravamento da crise", alertou o dirigente da categoria, Vivaldo Moreira. A Gazeta Mercantil antecipou no dia 11 de dezembro a informação de que 20% do quadro de funcionários da empresa seria dispensado.

Desde novembro último a direção da Embraer trabalhava em sigilo em um plano de dispensa em massa, com total conhecimento e apoio de seu Conselho de Administração, formado pela BNDES Participações (BNDESPar), Fundo de Previdência do Banco do Brasil (Previ) e pelo Comando da Aeronáutica, por meio do militar nomeado pelo governo federal, o brigadeiro Neimar Dieguez Barreiro.

No entanto, a demissão em massa foi negada com veemência e irritação pelo presidente da Embraer, Frederico Fleury Curado, desde que esse veiculou as graves dificuldades da empresa no comunicado `Em Tempo¿, no dia 28 de novembro, no qual afirmou: "A crise já está nos alcançando. É fundamental que sempre tenhamos um diálogo baseado na franqueza e na verdade".

Seu último comunicado foi no dia 19, por volta das 14 horas, quando os funcionários do primeiro turno deixavam a fábrica, para anunciar as demissões, pegando todos os empregados desprevenidos. Foram dispensados 4.273 funcionários em todas as fábricas brasileiras. Sendo 3.720 na sede, em São José dos Campos, outros 300 em Gavião Peixoto e cerca de 250 em Botucatu, no Estado de São Paulo.

Convicção

A certeza dos sindicalistas quanto a um acerto nos discursos e conduta entre Embraer e governo federal foi reforçada com as declarações do presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), Vagner Freitas. No encontro da CUT com a ministra Dilma Rousseff, no dia 03 de dezembro, em Brasília, ele afirmou que o governo federal deveria interferir nas demissões da Companhia Vale do Rio Doce e "na Embraer, que temos informações, vai começar a demitir".

A Contraf tem estreitas ligações tanto com a Previ e o BNDESPar, uma vez que todos são ligados a CUT. A ministra rebateu dizendo que o governo não poderia atuar nestes casos, pois se "tratavam de empresas privadas". A partir deste momento ninguém mais tocou no assunto da Embraer.

Contradições a parte, a ministra Dilma afirmou na última sexta-feira, enquanto se divertia no Carnaval de Recife, que o governo, apesar de ser acionista da Embraer por meio da golden share, não foi avisado sobre as 4,2 mil demissões ocorridas na empresa em momento algum.

"O governo recebeu a notícia com absoluta surpresa e, além disso, estamos extremamente desconfortáveis", afirmou a ministra, e potencial candidata a presidência da república ao participar da abertura da folia na capital de Pernambuco, no camarote instalado na Praça do Marco Zero. Uma reação muito semelhante a que teve o presidente Lula ao ser comunicado sobre o corte.

Estatização

Segundo documentos sob posse do sindicato, que tentará ainda nesta semana conversar com o presidente Lula para reverter as demissões ou voltar a estatizar a Embraer, em um ano - entre fevereiro de 2008 e 2009 - a empresa demitiu 5 mil empregados.

Embora existam suspeitas que os cortes entre janeiro e a primeira quinzena de fevereiro de 2009, não divulgados pela empresa, possam engrossar ainda mais as estatísticas. A Embraer teria cortado por volta de 500 engenheiros, vários deles das áreas de projetos. Somente moradores em São José dos Campos foram 232 profissionais de engenharia. Como a Airholding, associação entre a Embraer e a EADS, que adquiriu a empresa estatal portuguesa OGMA, como 1.640 empregados, a joint venture Harbin-Embraer Aircraft, na China, com 300 contratados não foram atingidas pelas demissões, a empresa volta ao patamar de 19 mil empregados, o mesmo de 2006.

O prefeito Eduardo Cury (PSDB), adotou diversas medidas para minimizar o impacto das dispensas sobre o município. Ele se reuniu com o governador José Serra para definir uma política de recolocação profissional para os demitidos, além de isenção de IPTU e abertura de novos cursos de especialização.

"Eu fui avisado no dia das demissões, vamos agora tentar criar vagas em outros setores da economia da cidade para absorver parte deste pessoal. Ainda teremos o problema de as empresas pequenas, que dependiam da Embraer, mas tenho certeza que o impacto será menor que o ocorrido com as demissões de 1.990, nossa economia hoje está muito mais diversificada", disse Cury, que preferiu se ausentar do carnaval em respeito aos demitidos. " Não tem clima para isto".

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 7)(Júlio Ottoboni)