Título: O dilema da invasão por terra
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 22/03/2011, Mundo, p. 18

Em 1999, as forças sérvias de Slobodan Milosevic ignoraram a zona de exclusão aérea, invadiram a província separatista do Kosovo e massacraram albaneses. Doze anos se passaram e um cenário parecido tende a se repetir, dessa vez com Muamar Kadafi. Acuado, o ditador líbio já estaria utilizando civis como escudos humanos e determinando que suas tropas disparem a esmo. Em seu quarto dia, a Operação Odisseia ao Amanhecer teria destruído grande parte das baterias antiaéreas da Líbia. O suposto sucesso da ofensiva levanta uma questão: ¿Como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) garantirá a completa implementação da Resolução nº 1.973?¿.

O documento aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU ¿autoriza o uso de todos os meios necessários para proteger os civis e a população de áreas sob ataque na Líbia, incluindo Benghazi¿. Para especialistas consultados pelo Correio, a intervenção militar da Otan exigirá a presença de tropas e de observadores internacionais em solo, como forma de se evitar uma carnificina ¿ até agora, Estados Unidos e aliados negam categoricamente a possibilidade de uma invasão terrestre.

Indefesos Autor de sete livros sobre a Líbia e cientista político do site Foreign Policy in Focus, o cientista político Ronald Bruce St. John admite o papel limitado da zona de exclusão aérea. ¿A medida oferece proteção aos civis de áreas controladas pelos rebeldes, principalmente em Benghazi. No entanto, os cidadãos de regiões em disputa, como Ajdabiya, Misrata e Zentan, estão desguarnecidos¿, comenta. ¿As forças de Kadafi têm ido de casa em casa, interrogado os habitantes e detido qualquer pessoa tida com simpatizante dos rebeldes¿, acrescenta. Ronald denuncia que várias pessoas foram presas e torturadas ¿ algumas desapareceram. ¿Esse processo abominável continuará até que a ONU ou outros observadores independentes, como a Cruz Vermelha ou o Crescente Vermelho, visitem a Líbia e sejam capazes de observar o que Kadafi está fazendo com seus próprios cidadãos¿, alerta.

Markus Kaim, especialista do Instituto Alemão para Assuntos de Segurança e Internacionais (SWP, pela sigla em alemão), lembra que a Resolução nº 1.973 abre brecha apenas para a implantação da zona de exclusão aérea. No entanto, a resistência do regime de Kadafi demandaria uma mudança de planos. ¿Nesse caso, a coalizão terá que escolher se interrompe a Operação Odisseia ao Amanhecer, após obter resultados limitados, ou se intensifica a ofensiva militar. ¿Se os governos ocidentais mantiverem-se firmes no objetivo político declarado de trocar de regime, o uso de tropas terrestres será altamente provável¿, observa.

Sem dificuldades Por sua vez, o estrategista militar britânico Peter Cadick-Addams ¿ do Colégio Real de Ciência Militar, em Cranfield ¿ afirma que a coalizão não teria dificuldades em expandir a intervenção na Líbia, ante a violência usada pelo regime e as violações dos direitos humanos. ¿É possível que as forças terrestres sejam soldados de nações integrantes da Liga Árabe, que serão bem recebidos pelos rebeldes¿, opina. Ele adverte sobre o perigo real de o regime de Kadafi já estar cometendo massacres. ¿Há evidências de isso estar ocorrendo em Benghazi e em outras cidades, graças a homens leais ao ditador, que nada têm a perder¿, afirma.

Apesar de ver a participação das forças da coalizão limitada a ataques aéreos, Peter explica que a Otan poderá colocar soldados de elite no território líbio. Sua função seria apontar raios laser na direção de alvos em potencial dos caças e bombardeiros. ¿O Reino Unido e a França aprenderam na Bósnia que precisam ser mais proativos e agressivos, a fim de garantir a paz. Esse comportamento ajudou a derrotar Milosevic na Guerra do Kosovo¿, lembra o analista. Na véspera de embarcar para o Brasil, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, descartou o envio de tropas à Líbia. ¿Em uma época em que nossos homens estão lutando no Afeganistão e dissolvendo suas atividades no Iraque, essa decisão só se torna mais difícil¿, declarou.