Título: Produção cai e Brasil importa urânio
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 22/03/2011, Mundo, p. 20

O governo brasileiro já precisou gastar cerca de R$ 25 milhões, em 2011, para importar o urânio destinado a manter em funcionamento as usinas nucleares Angra 1 e 2, em Angra dos Reis (RJ). O gasto ocorre depois de quatro anos de autossuficiência na extração do mineral. A demora da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) para conceder a licença necessária para explorar o material e a dificuldade das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) ao fazer as adaptações exigidas levaram a uma queda na produção na mina de Caetité (BA), a única em funcionamento no Brasil. O país tem a sétima maior reserva de urânio do mundo, com um potencial de 310 mil toneladas e, mesmo assim, foi forçado a comprar 140 toneladas do minério de vários países. Para suprir o deficit neste ano, serão importadas mais 80 toneladas, a um custo de R$ 15 milhões.

A INB é uma estatal ligada ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e tem a atribuição de extrair o urânio e fabricar o combustível necessário para o funcionamento das usinas Angra 1 e 2. Por envolver uma atividade radioativa, a licença para a extração do minério é responsabilidade da Cnen. As duas usinas funcionam em plena capacidade e só não pararam, diante do imbróglio envolvendo o licenciamento, devido à importação de urânio.

De 2006 a 2009, a INB extraía de Caetité as 400 toneladas necessárias para manter as usinas funcionando ¿ 150 para Angra 1 e 250 para Angra 2. Em 2010, essa produção foi reduzida para menos da metade: apenas 180 toneladas de urânio foram produzidas pela INB. O restante precisou ser importado, gerando o custo extra de R$ 40 milhões para a geração de energia nuclear tupiniquim.

A construção emperrada de um reservatório necessário para o processo de extração do urânio, chamado pond, levou à dependência brasileira da importação do minério. O pond é um grande tanque, semelhante a uma represa, que armazena o que os técnicos chamam de licor de urânio. Esse líquido é resultado da adição de ácido ao minério bruto: depois desse processo de lixiviação, o urânio é retirado e os resíduos são armazenados no pond.

Na reserva de Caetité, dois tanques já atingiram a capacidade máxima e um terceiro precisou ser construído. O material é radioativo, mas em níveis considerados baixos. A demora na concessão da licença diminuiu o ritmo da extração de urânio.

Os presidentes das estatais INB e Cnen atribuem um ao outro a responsabilidade por essa queda da produção. ¿Houve problemas perante a Cnen, o que atrasou a construção. Enviamos a documentação que respondia ao questionamento do órgão licenciador¿, afirma o presidente da INB, Alfredo Tranjan Filho. ¿Eles não atenderam os requisitos necessários para a construção do pond, o que já aconteceu outras vezes. Não conceder a licença foi uma mostra da independência da Cnen, que é acionista da INB¿, retorque o presidente da Cnen, Odair Dias Gonçalves.

Avaliação A geração de energia elétrica pelas duas usinas nucleares brasileiras ¿ uma terceira, Angra 3, segue em construção ¿ está em xeque, depois do acidente nuclear em Fukushima, no Japão. Ao contrário do que fez o governo da Alemanha, que decidiu paralisar por três meses as usinas nucleares construídas antes de 1980, o governo brasileiro, porém, descartou ¿ até agora ¿ qualquer tipo de interrupção no funcionamento das usinas ou nas obras de Angra 3. China e Estados Unidos já anunciaram uma revisão dos procedimentos de segurança nos reatores existentes.

Somente depois desse posicionamento dos alemães, chineses e norte-americanos, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, declarou que vai promover uma verificação dos procedimentos de segurança adotados nas usinas instaladas em Angra dos Reis. Ao Correio, o presidente da Cnen admitiu a possibilidade de mudanças em alguns procedimentos, como, por exemplo, na divulgação dos planos de emergência em Angra. ¿O debate que vai surgir pode levar à definição de mais segurança à população. Existe uma reclamação muito grande sobre o desconhecimento dos planos de emergência¿, diz Odair Dias.

Além de problemas como o da divulgação dos planos em caso de um acidente nuclear, as usinas Angra 1 e Angra 2 estão no limite em termos de matéria-prima para a geração de energia elétrica. ¿A capacidade de produção de urânio existente no Brasil é igual à demanda das usinas. Qualquer problema gera essa necessidade de importação¿, afirma o presidente da Cnen.

Essa não é a única limitação para o fornecimento de combustível aos reatores. A INB já consegue enriquecer urânio ¿ procedimento necessário para a fabricação do combustível ¿ em escala industrial, mas numa quantidade bem inferior à necessidade das duas usinas. Quase todo o urânio extraído em Caetités é mandado para outros países, onde é feito o enriquecimento. O produto final retorna ao Brasil e, então, é destinado a Angra 1 e 2. ¿A gente precisa mandar para fora para a transformação em gás e para o enriquecimento¿, afirma o presidente da IBN, Alfredo Tranjan. O urânio importado, segundo ele, já chega ao Brasil na forma final para o abastecimento das usinas nucleares.

A principal preocupação, agora, é com a autossuficiência na produção do minério. A mina de Santa Quitéria (CE) deve suprir essa necessidade, de acordo com Alfredo Tranjan. ¿O consórcio que vai explorar essa mina deve produzir 1,2 mil toneladas por ano. Cinco anos depois, a produção deve chegar a 1,6 mil.¿ A mina está em fase de licenciamento junto à Cnen. A licença para o novo pond de Caetités finalmente foi concedida, segundo a Cnen, depois da queda expressiva da extração de urânio. Enquanto a produção não for normalizada, o Brasil continua importando o produto da França, do Canadá e de países da África.