Título: Brasil entrega hoje aos EUA dados de combate à pirataria
Autor: Claudia Mancini
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/09/2004, Internacional, p. A10

Washington usará relatório para decidir se mantém benefícios tarifários. O governo brasileiro apresentará formalmente hoje, ao governo dos Estados Unidos, um relatório de quase 30 páginas e letras em corpo 10, com informações sobre ações adotadas desde 2003 para o combate à pirataria de direitos autorais. "Entendemos que o relatório comprova nossos esforços no combate à pirataria", afirmou uma fonte do governo. O documento, que tem ainda um anexo de 150 páginas com notícias publicadas pela imprensa, será um dos principais aspectos que Washington levará em conta na revisão sobre a manutenção das preferências tarifárias concedidas ao Brasil por meio do Sistema Geral de Preferências (SGP), e que envolve cerca de US$ 2 bilhões ao ano em exportações brasileiras.

"Para o Brasil manter o acesso preferencial ao mercado norte-americano pelo nosso programa de SGP, sem falar de uma abertura mais ampla e permanente no âmbito da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), precisamos garantir a aplicação dos direitos de propriedade intelectual," disse ontem Peter Allgeier, vice-Representante Comercial dos EUA, durante almoço com empresários na Câmara Americana de Comércio, em São Paulo. "Não é do nosso interesse retaliar ou punir o Brasil", completou. Isso porque medidas deste tipo não ajudariam a melhorar a proteção dos direitos.

A revisão do SGP normalmente é anunciada em junho. Neste ano, os EUA adiaram a revisão para o Brasil até 30 de setembro, para verificar se o pré-requisito de proteção da propriedade intelectual - neste caso no que se refere especificamente a direitos autorais -, está sendo cumprido. É que Washington resolveu dar andamento a uma petição feita há pelo menos dois anos pela Aliança Internacional de Propriedade Intelectual (IIPA), que apesar do nome é norte-americana, alegando falta de proteção no Brasil. Um grupo consultivo foi criado no âmbito no Mecanismo de Consulta Bilateral Brasil-EUA, para os dois países apresentarem relatórios sobre suas ações no combate à pirataria. É na reunião desse mecanismo, presidido por Allgeier e pelo embaixador brasileiro Clodoaldo Hugheney, em Brasília, que serão apresentados os relatórios. O dos EUA também tem cerca de 30 páginas.

Segundo uma fonte do governo, os dois países apresentaram, em reuniões técnicas do comitê, boa partes das informações. Não há nos documentos informações confidenciais. O brasileiro inclui duas leis de 2003. Uma é a de número 10.695, que aumentou o escopo dos crimes de direitos autorais e as penas. A outra é a de número 10.833, que trata do controle de veículos coletivos usados para o transportar bens piratas. Segundo um diplomata, esse é um problema de fronteira e interno. "E é uma medida que ataca a logística de distribuição".

O relatório inclui ainda ações de coordenação de entidades ligadas ao combate à pirataria, apresentação de apreensões e destruições de materiais pirateados, de iniciativas de conscientização sobre a necessidade do combate e sobre os resultados dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito que tratou do assunto.

Para Allgeier, a CPI "fez um bom trabalho." Segundo um negociador do Brasil, embora técnicos do governo dos EUA já tenham visto boa parte do relatório, não indicaram qual pode ser a avaliação final. A decisão sobre o SGP, afirma, terá um componente técnico, mas também político. E não será, necessariamente, anunciada em 30 de setembro. Brasil, Rússia e China são os três países com os quais Washington tem os principais problemas sobre a defesa de propriedade intelectual.

Na reunião de hoje também deverão ser tratados outros temas, como barreiras anunciadas recentemente pelo governo dos EUA à importação de camarão do Brasil e a negociação da Alca. Para ele, o acordo regional não deve sair em janeiro de 2005, como previsto no cronograma oficial.

Allgeier afirmou que, "francamente, estamos perplexos com a proposta" do Brasil, apresentada junto com a Argentina para a assembléia geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), que começa segunda-feira. Segundo um negociador brasileiro, a proposta é de a organização discutir a viabilidade de acesso à tecnologia por parte dos países em desenvolvimento. A patentes protegem o produto final e o processo para chegar até ele. Medidas como incentivos para empresas transferirem tecnologia e para cooperação técnica podem ajudar no desenvolvimento de países pobres, disse o diplomata. Além disso, a proposta é de manutenção das atuais flexibilidades para se adotar políticas nacionais específicas sobre propriedade intelectual. Isso pode, por exemplo, viabilizar a quebra de patentes de remédios em casos de emergência. Estão ocorrendo conversações que buscam uma harmonização internacional maior dos procedimentos de concessão de patentes, o que pode prejudicar países em desenvolvimento, afirmou o diplomata.