Título: Ponto crítico
Autor: Maakaroun, Bertha
Fonte: Correio Braziliense, 23/03/2011, Política, p. 3

Você é a favor da validade da Ficha Limpa nas eleições de 2010? SIM

Tudo indica que hoje o STF voltará a considerar a validade da Lei da Ficha Limpa, Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010. No ano passado, a deliberação do STF deu empate, de 5 x 5. Assim, ficou decidido que prevaleceria a decisão do TSE, aplicando esta lei às eleições de outubro de 2010 ¿ e vários candidatos incursos nos seus impedimentos foram declarados inelegíveis ¿ os condenados em 2ª instância, os cassados pelo TSE e os que renunciaram a seus mandatos legislativos para evitar cassação pelos pares.

Candidatos de diversos partidos que receberam votos suficientes para serem eleitos como deputados ou senadores não foram diplomados pela Justiça Eleitoral e acabaram impedidos de tomar posse em 1º de fevereiro de 2011. Alguns dos impedidos conseguiram liminares no STF que permitiram a posse, mas a outros foram negadas.

A aplicação desta lei veio em boa hora para evitar a eleição de candidatos corruptos e com ficha criminal. No passado, era comum pessoas já condenadas na Justiça usarem o dinheiro obtido por meios ¿suspeitos¿ na campanha eleitoral e, uma vez eleitos, se valerem da chamada ¿imunidade parlamentar¿ para ¿trancar¿ o processo. E, ainda, usar o mandato para extorquir mais.

Um dos argumentos contra a aplicação da Ficha Limpa em 2010 é o conceito de ¿transitado em julgado¿, onde a pena da lei somente pode ser aplicada uma vez exauridas as chances de recurso até a última instância (o que pode levar 20 ou 30 anos). Em 21 de março, o presidente do STF apresentou uma PEC que daria ¿mais celeridade¿ à Justiça por obrigar que todos os processos sejam finalizados e executados após a decisão judicial em segunda instância ¿ como já manda a Lei da Ficha Limpa.

Outro argumento usado contra a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010 foi o conceito da ¿anuidade¿, ou seja, uma lei que muda normas eleitorais somente poderia entrar em vigor um ano após ser aprovada. Em 2010, o TSE resolveu ignorar essa questão ¿ como também ignorou a ¿anuidade¿ quando decidiu a ¿verticalização¿ das coligações em 2002 e introduziu a ¿fidelidade partidária¿ em 2007.

* Professor emérito de ciência política da Universidade de Brasília (UnB)

NÃO

Márcio Luiz Silva

O processo eleitoral, como um todo, é regido por normas constitucionais que atendem ao interesse público e, por essa razão, não há como se admitir ilimitado exercício do direito de ação na Justiça Eleitoral porque isso implicaria a insegurança dos pleitos, comprometendo a legitimidade de todo o processo.

Objetivo destacado do próprio direito é garantir a segurança jurídica, visto que disciplina as relações entre o Estado e seus cidadãos. E uma das facetas jurídicas dessa segurança é a garantia de previsibilidade em relação a circunstâncias jurídicas futuras. A aplicabilidade de normas, ainda mais quando restritivas de direito fundamental, em cujo rol se situa o direito político, merece alentada temperança.

O Supremo Tribunal Federal, uma vez que não legisla, acertadamente firmou a constitucionalidade da LC nº 135/2010, cujo conteúdo atende a juízo de conveniência adstrito ao processo legislativo, cuja legitimidade é assentada em complexa formulação jurídico-política de nossa democracia. A aplicabilidade imediata do dispositivo, no entanto, observa critérios hermenêuticos que afastam a recepção de norma casuística.

O mestre Eros Grau nos ensina que ¿a interpretação do direito não é mera dedução dele, mas sim processo de contínua adaptação de seus textos normativos à realidade e seus conflitos. Neste sentido, a interpretação/aplicação opera a inserção do direito na realidade; opera a sua inserção na vida. Interpretar o direito é caminhar de um ponto a outro, do universal ao particular, conferindo a carga de contingencialidade que faltava para tornar plenamente contingencial o particular, enquanto intérpretes autênticos do direito ¿ dicção de Kelsen ¿ produzimos o direito, no seu todo, como totalidade normativa, inclusive para colher, capturar situações de exceção...¿.

É o caso. Não se pode olvidar a forte carga axiológica e os princípios éticos que inspiraram a edição da LC nº 135/2010, mas seus efeitos, notadamente a aplicabilidade imediata, se subordinam à modulação imposta por princípios constitucionais.

Para além de direitos individuais que merecem ser resguardados, não deve o legislador, muito menos o julgador, transmudar-se em intérprete do eleitor, que exerceu soberanamente seu direito.