Título: Crise chega a capital chinesa dos têxteis
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Fonte: Gazeta Mercantil, 03/03/2009, Indústria, p. C2

Shaoxing ( China), 3 de Março de 2009 - Há pouco, 20 mil fábricas têxteis e de vestuário floresciam aqui, abarrotadas de operários que tricotavam e costuravam seis, e às vezes sete dias por semana, para produzir as mercadorias vendidas nas importantes varejistas norte-americanas como Gap e Wal-Mart. Atualmente, a demanda enfraquece nos Estados Unidos, e Shaoxing, cidade da costa e um dos maiores centros têxteis mundiais, caiu vítima da desaceleração global.

Fábricas fecham aqui. Alguns patrões fugiram da cidade, deixando milhares de operários no abandono. Outros empregadores se preocupam a respeito das dívidas que crescem e da perspectiva de bancarrota.

Qian Jin, especialista do setor, disse que as companhias têxteis chinesas de repente "lutam para sobreviver". Um alerta de Pequim em dezembro passado foi terrível também: cerca de dois terços das empresas têxteis e de vestuários do país poderão entrar em colapso.

"Vimos os pedidos serem reduzidos em um terço nos últimos meses", informou Yang Baolin, presidente da Siris Knitting que opera uma fábrica em Shaoxing com aproximadamente 1,8 mil empregados. E os problemas no setor têxtil mal começaram. A economia outrora efervescente da China vivencia sua mais profunda desaceleração em três décadas.

Acredita-se que 20 milhões de trabalhadores migrantes já estejam desempregados. E com as manifestações diante dos fechamentos de fábricas eclodindo em uma série de cidades costeiras, Pequim cada vez mais teme a turbulência social e política.

O governo já anunciou um pacote de incentivo de US$ 586 bilhões para ajudar a manter as fábricas operando. Algumas companhias estatais recebem ordens para não demitir os funcionários. As montadoras, armadores e fabricantes de produtos eletrônicos foram escolhidos para receber ajuda do governo.

Exportações baratas

Entretanto poucos setores apresentam um problema tão crucial para a economia chinesa como o têxtil e de vestuário, avaliado em US$ 450 bilhões, prova da proeza comercial global da China e um símbolo de seu modelo de desenvolvimento, que é baseado nas exportações baratas.

No ano passado, o setor respondeu por US$ 153 bilhões do superávit comercial da China de US$ 300 bilhões, muito mais do que qualquer outro. E no momento, os fabricantes têxteis e de vestuários empregam mais de 20 milhões de trabalhadores, a maioria operários migrantes das províncias mais pobres do país.

Por esses motivos, Pequim presta atenção aos problemas do segmento. "Esse setor absorve uma grande quantidade do emprego. E isso é importante para a estabilidade social", disse Sun Ruizhe, vice-presidente da China National Textile and Apparel Council, conselho nacional do setor têxtil e de vestuário.

Os especialistas dizem que o que acontece nas cidades como Shaoxing pode ser um barômetro do poderio comercial da China, e uma janela para suas condições sociais.

Hoje em dia, nenhuma cidade da China possui uma concentração de produtores têxteis e de roupas tão grande quanto Shaoxing, informaram as autoridades do setor.

As vendas no gigantesco bazar têxtil da cidade, um shopping center enorme que atrai 100 mil visitantes por dia, alcançaram US$ 9 bilhões no ano passado, segundo o governo local.

Com o boom surgiram novas estradas, concessionária da BMW e Lexus, vilas à beira do lago, e residências de luxo, com nomes como Global New York, Victoria Gardens e Money King Tower.

"Essa cidade tem milionários demais", afirmou Zhang Guowei, gerente geral de 37 anos da Tiansheng Holdings, uma das maiores produtoras de lã de Shaoxing.

A experiência de Zhang é uma típica história de pobre que se torna rico em Shaoxing. Há vinte anos, ele era um mecânico, ganhando cerca de US$ 4 por mês. Hoje em dia, dirige um Mercedes, fala em enviar sua filha para estudar no exterior, e se vangloria do tremendo crescimento de um complexo fabril aqui, que tem 3 mil empregados, um dormitório para os funcionários, um cinema e quadras de tênis e basquete ao ar livre.

Tiansheng importa lã da Nova Zelândia, fia, lava, tinge e corta em peças que depois são usadas para a confecção de paletós, calças e outras roupas. Os funcionários da companhia ganham cerca de US$ 1 por hora ou menos.

Zhang disse esperar que seu negócio sobreviva com a ajuda do governo.

Em 2007 o avanço nos preços do petróleo começaram a elevar o custo das fibras químicas que são utilizadas para confeccionar roupas de náilon.

Os preços do carvão em elevação tornaram as operações fabris mais caras. E quando o iuane, moeda da China, superou o dólar, no início de 2008, as fábricas se queixaram que estavam sendo pagas por suas exportações com uma moeda cada vez mais fraca.

Preocupada com a desaceleração fabril, Pequim respondeu com uma série de medidas visando ajudar os produtores têxteis.

Pequim chegou a enviar, em outubro passado, uma de suas principais autoridade para Shaoxing a fim de incitar os líderes locais a enfrentar de frente a desaceleração .

"Precisamos enfrentar com bravura as dificuldades atuais", disse o primeiro-ministro Wen Jiabao em um discurso na ocasião, durante um giro pelas fábricas têxteis da cidade.

Entretanto, desde então, as coisas ficaram cada vez pior. O diretor do Jianglong Group, uma das maiores fábricas de tingimento de Shaoxing, fugiu em novembro, deixando para trás 4 mil funcionários e mais de US$ 200 milhões em dívidas.

Muitos especialistas dizem que inúmeras fábricas fecharão com o revés, sufocando uma cidade que se acostumou com as épocas de vacas gordas.

(Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 2)(The New York Times)