Título: Brasil entra na guerra mundial das patentes de medicamentos
Autor: França,Anna Lúcia
Fonte: Gazeta Mercantil, 04/03/2009, Direito Corporativo, p. A12

São Paulo, 4 de Março de 2009 - Tudo indica que o Brasil entrou definitivamente na guerra mundial de extensão de patentes farmacêuticas. A briga travada internacionalmente entre os laboratórios que investem em pesquisa, os chamados inovadores, com aqueles que trabalham com as cópias, conhecidos como genéricos, ganha novos contornos no País. Há um ano a discussão vem esquentando entre as autoridades locais em função de pedidos de novas patentes para remédios que são desenvolvidos através de polimorfos, que são diferentes formas para uma substância conhecida.

Nessa disputa colocam-se de lados opostos entidades como o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) - que defendeu em audiência pública, o patenteamento das formas polimórficas - e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), contrária ao assunto. Desde 2001, a agência participa do processo de aprovação da patente, após o encerramento do exame técnico do pedido, concedendo ou não a chamada anuência prévia. Ou seja, sem a aprovação do órgão sanitário o pedido de patente não pode ser outorgado pelo INPI.

Para o presidente executivo da Interfarma (entidade ligada às indústrias inovadoras), Gabriel Tannus, há uma "demonização" das patentes, como se fosse uma coisa ruim. "A patente não é um mal, é a solução, porque ela garante o retorno do investimento em pesquisa."

De acordo com a doutora em química orgânica e pesquisadora, Luciana Jansen, não considerar os polimorfos é um erro. "O carbono é um só, mas o carbono no grafite é de um jeito e no diamante é outro e os usos também." Além disso, segundo ela, há uma confusão entre o pedido de patente e as questões técnicas de química e os reflexos para a saúde do paciente. Isso porque , para se pedir uma patente, é preciso que se atenda três requisitos técnicos básicos: ser inventivo, ter aplicação industrial e ser uma novidade. Para Luciana, ao pegar uma substância existente, modificar sua forma, de maneira que mude sua ação, e desenvolver um medicamento diferente é uma inovação. "Um exemplo dessa evolução são os medicamentos que ganharam versões de liberação gradativa", diz.

A discussão ganhou apoio do deputado Paulo Teixeira (PT), que defende mudança na atual legislação por meio de um projeto de lei que restringe a patenteabilidade do segundo uso e de polimorfos.

"Impedir patente de polimorfos é matar também a indústria nacional, porque tira a possibilidade dos laboratórios que fazem cópias de fazer uma modificação polimórfica e explorar essa inovação", diz presidente do Conselho Consultivo da Interfarma, Jorge Raimundo.

A afirmação é rebatida pelo presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pró Genéricos), Odnir Finotti, que diz ser um erro conceder uma nova patente a um produto que será indicado para a mesma doença. "A inovação é pequena e eles ganham uma exclusividade por mais 20 anos." Além disso, falar que as empresas brasileiras se beneficiariam, também não é bem verdade, segundo Finotti. "Isso porque no Brasil não há indústria de química fina. Não fazemos a matéria-prima." Segundo ele, só quem detém o conhecimento da rota de síntese pode mudá-la, que são os próprios criadores ou os fabricantes de matéria-prima. Mas, apesar de tudo, Finotti diz que a indústria de genéricos não é contra patentes. "Os genéricos só podem existir se houver inovação, por isso respeitamos esse prazo, o que não justifica procurar brechas para ampliá-lo", acrescenta.

De acordo com o agente de propriedade industrial do escritório Daniel Advogados (especializado em propriedade intelectual), Igor Simões, o País precisa definir o papel de cada autarquia, para que não haja duas entidades decidindo sobre a mesma coisa. "Se não houver um acordo, a discussão deve ir para a Justiça, onde são feitas as perícias." Para evitar isso, Simões adverte que pedidos devem sempre estar bem redigidos e conter os pontos essenciais para concessão de patente.

O que o Brasil vive é só uma amostra do que já acontece no exterior, onde está sendo travada uma batalha para se estender a patente do Lipitor, da Pfizer, o medicamento para o colesterol que sozinho fatura US$ 12 bilhões em todo o mundo. O grande problema é que a indústria farmacêutica hoje vive um drama ao perder patentes mais rápido do que consegue repor, em função do maior rigor das regras para aprovação de novas moléculas.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 12)(Anna Lúcia França)