Título: Projetos de infraestrutura devem sustentar atividade econômica
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Fonte: Gazeta Mercantil, 06/03/2009, Brasil, p. A6
São Paulo, 6 de Março de 2009 - Os setores produtivos que têm sua estrutura de negócios vinculada ao consumo de bens essenciais, investimentos em infraestrutura cujo horizonte ultrapassa o período estimado de recuperação do nível de atividade, como os relacionados ao segmento de petróleo e gás, terão uma trilha segura para atravessar o período de turbulência que deve se estender até 2010. Os segmentos que passavam por crises que os forçaram a realizar ajustes antes da desaceleração econômica se instalar, suportarão esta fase em condições melhores.
Os fornecedores industriais voltados a projetos de infraestrutura sairão do processo de desaceleração primeiro, na avaliação do professor de economia Fernando Sarti, da Universidade de Campinas (Unicamp). "A indústria automobilística vai patinar e o setor de alimentos deve manter o mesmo patamar", assinala Sarti. "O setor de bens de capital vai se arrastar por mais tempo. Quem produz máquinas vai enfrentar dificuldades", afirma.
A retração para os fabricantes de máquinas e equipamentos será drástica, segundo Carlos Pastoriza, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). Nos meses de dezembro de 2008 a janeiro de 2009, a queda sazonal de 10% tradicionalmente esperada pelas empresas se converteu em um recuo de 38%. Esta retração foi acompanhada pelo corte de 8 mil empregos. "Se esta tendência não for revertida rapidamente, haverá perda de 50 mil empregos diretos no primeiro semestre", estima Pastoriza.
Nos primeiros meses do ano sinais de reação tendem a aparecer nas sondagens de nível de atividade. Este efeito pode ser atribuído a uma certa dose de "distorção estatística", segundo o professor Fábio Kanczuk, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. "A queda foi tão forte que o normal é a economia devolver um pedaço no ano. Não é possível cair como ocorreu nos últimos trimestres", afirma Kanczuk.
Para Sarti, da Unicamp, o padrão de desenvolvimento do Brasil contribui para criar condições melhores para atravessar a crise. O economista acrescenta que até setembro de 2008 os investimentos cresceram em níveis que superaram o Produto Interno Bruto (PIB). Isto ocorreu por 13 trimestres seguidos. "Não era conjuntural", declara. O projetos de infraestrutura devem sustentar parte da atividade econômica neste período. "São projetos com prazo de maturação de 3 a 4 anos. Vão muito além da crise e não sofrem abalo muito forte por conta do crédito e não têm relação com a demanda", declara.
A questão relevante, na avaliação de Kanczuk, da Fea, é saber se o País haverá uma expansão econômica nos moldes anteriores ou irá para "um patamar medíocre". "Nesta crise quem apanha muito é bem durável com o enxugamento do crédito. Bens de capital caem junto e os produtos essenciais sofrem menos", assinala. Apesar da inflação ter sido controlada, ela foi acompanhada por um aumento da carga tributária. "O que fez o Brasil crescer foram as commodities", diz Kanczuk. "Neste momento, os investimentos privados não são necessários porque não existe uma bolha de commodities para justificá-los". Os projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) "são idéias, não têm suas contas fechadas". Na opinião de Kanczuk, "eles (os projetos) não existem. O governo tem dinheiro e não consegue gastar". O País deve se preparar para "crescimento zero do PIB", afirma.
"Há luz no fim do túnel", na opinião de Sarti, da Unicamp. "O crédito derrubou as vendas de eletrodomésticos, telefones celulares e veículos mas ele vai retornar aos poucos com a redução dos compulsórios", afirma. O mercado perdeu 654.956 mil postos de trabalho formais em dezembro, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Na avaliação de Sarti, parte da renda perdida com os cortes realizados no final do ano, será compensada pelo reajuste do salário-mínimo em 1º de fevereiro que injetou cerca de R$ 20 bilhões na economia. As obras dos governos federais e estaduais produzirão também "um mínimo de demanda", assinala Sarti. Nas contas do professor da Unicamp , apesar de um primeiro trimestre fraco, o PIB pode fechar o ano de 2009 com uma expansão de 2% a 3%.
A indústria automobilística, por sua capacidade de arrasto, provocou um tumulto quando cortou sua produção em 50% no final do ano passado. Os problemas de montadoras como a General Motors e Ford, eram "anteriores à crise internacional. Eles se agravaram com a crise". As dificuldades das empresas eram relacionadas à previdência, alta do preço do petróleo, foco de produto, carros de baixa eficiência energética e tecnologia, analisa Sarti.
Os ajustes são imprescindíveis "mas não serão generalizados". Na opinião de Sarti, "é hora de intervenções cirúrgicas". Nos próximos meses devem ser realizadas análises específicas em cada setor produtivo. Para alguns segmentos a demanda é o fator crítico, para outros o crédito é fundamental. O mercado externo será o foco para várias indústrias. "Não há uma variável para todos", assinala. As indústrias de calçados e de produtos têxteis, exemplifica, enfrentavam a concorrência de importados." O câmbio melhorou e tornou os importados, que estavam acabando com o setor, menos competitivos", diz Sarti.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6)(Jaime Soares de Assis)