Título: China frustra com plano pouco ousado
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Fonte: Gazeta Mercantil, 06/03/2009, Internacional, p. A12
Pequim, 6 de Março de 2009 - Ao alertar que a China enfrenta "dificuldades e desafios sem precedentes", o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao destacou ontem um aumento no volume de subsídios e medidas econômicas em um esforço para manter a modernização do país apesar da crise financeira mundial.
O premier também afirmou que o governo dará início a uma mudança fundamental no que se refere as suas estratégias econômicas, encorajando os cidadãos a consumir mais, nos moldes da maior parte das economias do Ocidente. O vigoroso crescimento chinês foi, até agora, impulsionado sobretudo pelas exportações e investimentos abundantes em projetos de infraestrutura, como rodovias e barragens - um tendência que, acreditam os analistas, não deve se sustentar no longo prazo.
No entanto, durante um longo discurso no encontro anual do Cogresso Nacional do Povo, o premier não anunciou explicitamente novos investimentos para fazer frente à crise financeira, além do plano de estímulo econômico de US$ 585 bilhões com o qual a China já havia se comprometido em novembro do ano passado. No discurso de Wen, que mencionou diversos aumentos nos gastos orçamentários para o setor da construção civil e outros programas, não ficou claro se estas cifras já faziam parte do pacote anterior ou se representam realmente novos gastos. Detalhes do pacote de incentivo econômico permanecem vagos desde o seu anúncio e o discurso de ontem lançou pouca luz sobre eles.
O mercado de ações chinês subiu 6% anteontem, enquanto outras bolsas ao redor do mundo também avançaram, em meio às especulações de que Wen anunciaria outros gastos visando o estímulo da economia. Mas as bolsas internacionais, desapontadas com o pacote chinês e com os indicadores europeus, encerraram em queda ontem. (Ver mais na pág. B2.)
Ainda que 2009 será um ano marcado por "tarefas árdua", disse o líder, a estratégia econômica chinesa estava correta e o cenário positivo do país deve manter-se inalterado. O discurso de Wen foi acompanhado por cerca de três mil delegados e referiu-se a um programa econômico que, aos olhos dos analistas, foi dominado por duas preocupações principais: escapar da crise mundial e impedir que a insatisfação da população reflita-se em agitações políticas.
"A estabilidade social é definitivamente uma questão que preocupa o governo; esta sempre foi uma preocupação crucial", defendeu Tao Wang, economista do UBS Securities em Pequim, em e-mail. "Todas estas medidas, desde a manutenção do crescimento do PIB até a redução da taxa de desemprego, têm como foco a estabilidade."
Wen disse que o governo central aumentaria significativamente o gasto com escolas, hospitais e clínicas, moradias para pessoas de baixa renda, programas ambientais e outros projetos voltados para a melhoria das vidas das pessoas.
Também reafirmou os planos de aumentar os subsídios aos agricultores, as pensões aos idosos e a ajuda financeira aos cidadãos mais pobres da China, e disse que os gastos com programas para a "rede de segurança social" saltariam 17,6%, ou cerca de US$ 6,4 bilhões.
Mas reservou algumas de suas palavras mais duras aos consumidores chineses, cuja frugalidade legendária impediu as indústrias de bens de consumo e de serviços da China de crescerem algo próximo da taxa da economia nacional.
O premier disse que reforçar a demanda dos consumidores deve se tornar "um princípio estratégico de longo prazo e um ponto básico de partida para estimular o crescimento econômico". Persuadir os consumidores chineses a abandonar os hábitos de economizar de longo tempo pode ser difícil. Documentos oficiais divulgados ontem indicavam que o governo planejava aumentar os empréstimos aos consumidores, reduzir o VAT (imposto sobre valor agregado) e alguns impostos sobre a renda, cultivar mercados para casas e carros novos e usados e subsidiar a compra de utensílios, como aquecedores de água e aparelhos de ar condicionado, por moradores rurais.
Os gastos com uma série de programas importantes, incluindo a construção de auto-estradas e estradas de ferro, moradias para pessoas de baixa renda e a conservação de energia, mais que dobrariam, para cerca de US$ 132 bilhões.
Tais gastos e reduções de impostos, e uma redução geral na arrecadação fiscal devido a uma economia em processo de desaceleração, vão empurrar o déficit orçamentário deste ano para cerca de 3% do PIB, um recorde moderno.
A sessão parlamentar no Grande Salão do Povo, na Praça da Paz Celestial é geralmente dominada pela aprovação pró-forma de leis e regulamentos decididos com antecedência. Os delegados, a nata do PC chinês, apreciam pouco as revoltas.
O esperado detalhamento do pacote frustrou os mercados.
Mas analistas vão observar de perto as propostas de Wen para ver não só como o incentivo de US$ 585 bilhões será gasto, mas também quanto do dinheiro é na verdade um gasto genuinamente novo. O governo chinês está distribuindo cerca de US$ 175 bilhões do total. O resto deve vir de bancos, investidores e governos locais, cujas finanças não estão em boa situação.
A maioria do dinheiro vai para projetos de infraestrutura, como estradas e barragens, que injetam dinheiro rapidamente na economia. No entanto, muitos especialistas externos e alguns membros do partido estão pedindo mais dinheiro para ser gasto diretamente em necessidades básicas do povo.
Os delegados vão considerar um projeto de lei que despejaria cerca de US$ 124 bilhões na reforma da saúde, criando um programa de seguro saúde e reestruturando o sistema de saúde. Mas essa quantia elevaria os gastos anuais com a saúde para cerca de US$ 18, por pessoa, soma que alguns analistas dizem ser pequena demais para dar uma alívio significativo.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 12)(The New York Times e Reuters)