Título: Inflação mina a confiança no BC
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 23/03/2011, Economia, p. 10

Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, garante que os índices de preços vão cair a partir de abril. Ceticismo é grande

O freio imposto pelo governo à economia até o momento não foi suficiente para desaquecer o consumo e derrubar a inflação. O brasileiro continua com sede de compras e a produção nacional e os importados não têm sido suficientes para garantir o abastecimento, advertiu ontem o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, durante audiência pública no Senado. Segundo ele, o descompasso entre a oferta e a demanda vem sustentando a escalada de preços e, por isso, a autoridade monetária não se intimidará no sentido de reequilibrar o jogo. Além de elevar a taxa básica de juros (Selic), que já passou de 10,75% para 11,75% desde o início do ano, restringirá ainda mais a concessão de crédito para garantir o poder de compra da moeda.

O desafio, no entanto, será grande, diante da desconfiança dos agentes econômicos quanto à capacidade do governo de trazer a inflação para o centro da meta, de 4,5%. Há várias semanas, os mais de 100 analistas ouvidos pelo BC demonstram ceticismo e jogam para cima as projeções deste ano para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que, agora, cravam 5,88%. Ao mesmo tempo, empurram ladeira abaixo as estimativas para o crescimento em 2011 ¿ apenas 4,03%. ¿Se o mercado não acredita nas nossas estratégias, isso pode ter um efeito negativo para a política monetária. Porém acho que o mercado absorveu bem as medidas (prudenciais, que tornaram os empréstimos e financiamentos mais caros)¿, disse Tombini, a despeito da deterioração das expectativas.

Crédito caro Entre a população, o quadro não é diferente. Pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha mostra que 83% dos brasileiros consideram a inflação atual alta e acreditam que os índices continuarão subindo, apesar de todas as medidas adotadas pelo governo, como a elevação da Selic, a obrigação dos bancos de depositarem uma quantia maior de recursos no Banco Central (compulsórios), a exigência de um valor maior de entrada nos financiamentos de carros e a redução dos prazos das operações de crédito.

Para tentar minimizar a sensação generalizada de que a inflação vai estourar o teto da meta (6,5%) neste ano ¿ pelo menos até agosto, a taxa acumulada em 12 meses encostará nos 7% ¿, Tombini descreveu o cenário no qual aposta todas as suas fichas. Na sua avaliação, daqui por diante, mês a mês, o IPCA recuará para algo entre 0,35% e 0,40%, compatíveis com as metas perseguidas pelo BC. ¿O que se verá em 12 meses será um efeito estatístico. Em junho e julho do ano passado, tivemos uma inflação mensal de zero¿, justificou.

Tombini frisou que o primeiro trimestre do ano foi o mais pesado para a inflação devido aos reajustes no setor de transportes (passagens de ônibus, principalmente), nos contratos de aluguel e nas matrículas escolares, além do choque de alimentos (problemas climáticos prejudicaram safras e reduziram a oferta de produtos). A tendência, reforçou o presidente do BC, é de que todas essas pressões se dissipem a partir do segundo trimestre, confirmando que a instituição não perdeu a guerra no combate à inflação.

A despeito das explicações, Tombini admitiu que o setor de serviços computa reajustes elevados, próximo de 8% em termos anualizados, fruto de um mercado de trabalho aquecido ¿ com salários melhores, os trabalhadores aceitam pagar mais por cabeleireiro, chaveiro, mecânico de carro e manicure. Como esse tipo de mão de obra não pode ser importada, não há concorrência vinda de fora, os aumentos de preços são facilitados.

Mas não é só. No setor industrial, que enfrenta a concorrência das mercadorias importadas, a situação também está complicada. Mesmo com todos os investimentos realizados no ano passado para o aumento da produção, as empresas não conseguem suprir toda a demanda e se sentem tranquilas para reajustar o que tiram das fábricas. Esse quadro, segundo Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos, pode ser explicado quando se olha para os números do ano passado: o consumo das famílias cresceu 10,5%, bem acima dos 7,5% de todo o país. ¿O consumo está robusto porque o mercado de trabalho está aquecido e os trabalhadores obtendo ganhos reais¿, avaliou.

No geral, o mercado avaliou as declarações de Tombini no Senado como ¿mais do mesmo¿. ¿Está idêntico à última ata do Copom (Comitê de Política Monetária). Só reforçou o discurso¿, afirmou Jankiel Santos, economista-chefe do Espírito Santo Investment Bank. ¿Tanto é assim que os juros futuros não reagiram às palavras dele. Mantiveram-se estáveis¿, observou Márcio Cardoso, diretor da Título Corretora de Valores.

NADA DE POMBO Durante a sua primeira audiência pública no Senado, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, teve oportunidade de responder aos críticos que o chamam de dovish ¿ termo importado dos Estados Unidos para classificar economistas menos ortodoxos, dóceis como um pombo. O termo é usado também para dizer que um Banco Central é menos severo em sua política de combate à inflação. Para os parlamentares que o questionaram sobre o assunto, Tombini respondeu que o presidente do BC não pode se deixar influenciar por tais rótulos. ¿Não podemos nos deixar sensibilizar por essas classificações. É simplificar o processo¿, afirmou.