Título: Sem demagogia, Obama retoma diálogo com AL
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Fonte: Gazeta Mercantil, 15/04/2009, Editoriais, p. A2
15 de Abril de 2009 - cape 1,O governo Barack Obama anunciou uma revisão nas medidas que dificultavam ou praticamente impediam o contato dos cubanos-americanos com seus parentes moradores em Cuba. Essa revisão era uma promessa de campanha agora cumprida. A rigor, foram extintas as restrições de visitas dos que moram nos EUA à ilha e dos limites das remessas de recursos. Além dessa concessão, as empresas de telecomunicações americanas estão autorizadas a prestar serviços na ilha e até linhas aéreas americanas poderão estudar o restabelecimento de voos diretos para Cuba, eliminando a restrição que só permitia voos charters para aquele país. Desse modo, os 1,5 milhão de americanos que têm parentes em Cuba podem passar a visitá-los mais de uma vez por ano e podem enviar mais do que os atuais US$ 1.200 em dinheiro também anualmente. No entanto, o porta-voz da Casa Branca deixou bem claro que tais medidas não representam a ruptura do longo embargo decretado contra Cuba. Apenas Washington colocou em prática os termos previstos na frase de campanha do ainda candidato Obama: "Não há melhores embaixadores para a liberdade do que os cubanos-americanos".
O momento da decisão, no entanto, foi uma escolha essencialmente diplomática. Em dois dias será instalada a 5 Cúpula das Américas, um encontro ainda dominado pela ausência de Cuba, o único país dos 35 do Hemisfério Norte excluído desse foro. Essa pressão contra um único país talvez tenha força maior do que qualquer debate, incluindo a própria crise econômica, óbvio tema difícil em um encontro diplomático dessa dimensão. Esse mesmo cenário, em 2006, encerrou a tentativa americana de criar um organismo para liberalizar totalmente o comércio na região. Nessa época o Brasil liderou essa reação do continente contra uma exigência de Washington. O contexto mudou. No encontro que começa dia 17 em Trinidad Tobago há três novos temas em discussão, já fechados em uma declaração de compromisso assinada por todos os convidados: meio ambiente, energia e prosperidade social. Porém, a discussão dos dois assuntos vetados, Cuba e crise econômica, dará a tônica do futuro relacionamento do governo Obama com os vizinhos americanos. Em especial, a importância que Washington realmente deseja emprestar à América Latina e aos seus graves problemas.
O governo Obama fez uma seleção prévia dos interlocutores privilegiados antes da Cúpula das Américas. Nas últimas semanas o presidente americano reuniu-se com seus pares do Brasil, do México e do Canadá. Nesses contatos ficou definida uma tarefa especial para o Brasil: conter a retórica revolucionária das lideranças radicais da América Latina. Era uma demonstração inequívoca de que a administração democrata reconhecia uma espécie de voz ativa de Brasília frente a esses radicais.
A diplomacia brasileira, no entanto, preferiu trilhar outro percurso, mais complicado. Na semana anterior à Páscoa, o novo chanceler cubano, Bruno Rodrigues, entregou ao presidente Lula o pedido de Havana para que o Brasil atue como um "coordenador" dos aliados de Cuba na reunião de Trinidad Tobago. Ao contrário dos radicais latinos, o governo de Raúl Castro não quer queimar as pontes abertas por Obama. As posições radicais que certamente serão repetidas pela Venezuela e seus aliados, da Bolívia e do Equador não interessam a Havana. Em situação inusitada a televisão cubana noticiou com destaque a oferta de Washington de livre trânsito de pessoas, bens e informações entre americanos e cubanos. Os arroubos dos incômodos velhos amigos podem desarranjar a retomada do diálogo que obviamente Washington está oferecendo à ilha. Esse percurso de entendimento é muito difícil e, embora o embargo seja o assunto principal na Cúpula, Cuba não terá voz para dizer exatamente o que quer de Washington. E Raúl Castro não pretende ser representado pelo presidente venezuelano Hugo Chávez nessa possibilidade de entendimento. Essa tarefa os cubanos também repassaram ao presidente Lula.
Nesse ponto, nessa encruzilhada diplomática mora o perigo. Chávez já percebeu a difícil posição brasileira e cobrará caro pelo bom comportamento. Na véspera da abertura da Cúpula, usando a condição de líder financeiro e pol´itico dos países da Alternativa Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba) já avisou que em Trinidad Tobago "não haverá quem nos faça calar". Portanto, as sérias dificuldades que o presidente Lula enfrentará podem vir a ser um grave tropeço de quem cultiva amigos perigosos na vizinhança, mais preocupado com a própria imagem do que com resultados reais. O risco maior é que tanto Havana quanto Washington sintam-se ludibriados pelo intermediador escolhido.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)