Título: O Brasil de muito fiscal e pouca obra
Autor: Feltrin, Ariverson
Fonte: Gazeta Mercantil, 15/04/2009, Opinião, p. A3

15 de Abril de 2009 - Se alguém não disse, que se diga agora: gerir uma companhia privada é infinitamente mais fácil do que tocar uma empresa pública. Alguém até poderá contrapor: mas negócio gerido privadamente não está sempre na corda bamba, sujeito a quebrar a qualquer momento? Essa vulnerabilidade, essa fragilidade exige do gestor que ele desenvolva aptidões de um mágico.

A verdade é que o fato de pisar em ovos o tempo inteiro faz o empreendedor permanecer ligado. Descuidos e deslizes administrativos não perdoam nem passam impunes.

Certa feita conheci uma empresa (que quebrou, naturalmente) com meia dúzia de sócios. A empresa ia bem, todo ano ganhava prêmios em seu setor, mas não resistiu às intermináveis contendas que cada grupo travava entre si. Vejam bem: a tal empresa a que me refiro não foi assassinada pelas forças externas do mercado, mas cometeu o suicídio interno pela inveja, ciúme e demais desditas humanas.

Esqueci de dizer uma coisa, mas ainda é tempo: a referida empresa chegou a tal absurdo de revezar o poder de mando entre os grupos rivais em mandatos de um ano. Cada núcleo que entrava desfazia, denegria o trabalho do antecessor e, ao seu bel-prazer, mudava para celebrar a discórdia.

A descontinuidade administrativa é uma prática comum na gestão pública. O grupo que entra nem sempre é afinado com o que sai. A falta de sintonia torna as obras caras, inconclusas e cheias de outras mazelas e vícios. A gestão pública, quase regra geral, é um saco de gatos, por consequência, tolerante em demasia.

Tais vícios se juntam a outros da gestão pública, entre eles a morosidade, a burocracia e a consequência são resultados quase sempre pífios que se reproduzem em todos cantos, da pequena cidade miserável à metrópole endinheirada.

Os exemplos estão à vista de todos, tropeçamos neles diariamente. Querem exemplos? Não há só um rio que se salve: todos córregos, riachos e rios da Grande São Paulo, região do maior PIB do País, são mantidos fétidos e poluídos há décadas. Outro exemplo comezinho são as calçadas. Da bizarra e periférica Vila Nhocuné à Vila Olímpia, que concentra a elite dos escritórios de empresas com sede em São Paulo, as calçadas são simplesmente intransitáveis.

No último final de semana, em Recife, ao se encontrar com prefeitos da região, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, soltou o verbo. Disse que as prefeituras não estavam preparadas nem tinham projeto quando o governo federal lançou o PAC, sigla de Programa de Aceleração do Crescimento.

Em outras palavras, as prefeituras, mesmo entupidas de funcionários, não estão preparadas para criar e gerenciar projetos. E o presidente exemplificou: "Todo mundo fazia campanha dizendo que ia acabar com as favelas, mas ninguém tinha projeto".

O que ocorre nas prefeituras, em geral, pode ser estendido para outras esferas de governo. Fala-se muito, faz-se muito pouco.

Criado em São Paulo e nascido em Pernambuco, diante dos conterrâneos, Lula disparou: "A máquina pública foi preparada para fiscalizar e não para executar, porque o Brasil estava desabituado a fazer obras de infraestrutura".

E disse mais: "Tem mais gente para fiscalizar as coisas que você faz do que gente para fazer, porque durante muitas décadas nós não investimos em infraestrutura, os estados não podiam investir e nós fomos criando órgãos de fiscalização". E arrematou: "Temos instrumentos de fiscalização e menos gestores para gerar obras públicas porque as pessoas desaprenderam".

Voltando ao ponto inicial, reafirmo: empresa privada que cochila desaparece, sai do mercado. Empresa pública, ao contrário, não quebra, mas distribui prejuízos na medida em que não executa os mais comezinhos deveres de casa, como despoluir os córregos e manter calçadas para uso civilizado.

É natural que, como líder de oposição durante décadas, Lula tenha desenvolvido aptidões para apontar as falhas dos adversários. No poder há dois mandatos, o presidente e seus seguidores passaram a ter a noção da dificuldade que é gerir a máquina pública enferrujada. Para o presidente, valeu a pena o aprendizado: "Quem vier depois de nós vai ter muito mais facilidade do que tivemos porque os ministérios e as secretarias ligadas à área de infraestrutura vão ter projetos prontos".

kicker: A gestão pública é, quase sempre, um saco de gatos e tolerante em demasia

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) ARIVERSON FELTRIN* - Editor de Infraestrutura E-mail: afeltrin@gazetamercantil.com.br)