Título: Crise distancia Brasil de déficit nominal zero em 2010
Autor: Monteiro,Viviane
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/03/2009, Brasil, p. A5
Brasília, 16 de Março de 2009 - Diante da crise financeira mundial, o tão sonhado déficit nominal zero até 2010 deixou de ser o foco do governo. A queda na arrecadação de tributos não vai permitir a manutenção da meta, confirmou à Gazeta Mercantil o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.
A prioridade do governo agora é aquecer a economia e procurar manter a arrecadação de tributos. "Agora o foco não será esse (déficit nominal zero); se a economia continuar deprimida não vai ter déficit (nominal) zero porque a arrecadação vai cair", disse o ministro, ao se referir a expectativas de que a conta do pagamento do juro da dívida pública deve voltar a subir em decorrência da queda da arrecadação tributária. No ano passado, o déficit nominal fechou com taxa histórica de 1,53% (R$ 44,307 bilhões) do PIB, enquanto que o pagamento do juro da dívida atingiu 5,59% do produto, ou R$ 162,3 bilhões.
Dentro do governo, o déficit nominal zero é defendido principalmente pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e sua equipe. Procurado, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, não quis comentar o assunto. Porém, alguns técnicos do ministério disseram ser possível que o País não consiga zerar a conta de pagamento do juro da dívida em 2010. Mas ponderam que ainda é cedo para avaliar isso.
Entre os economistas não há consenso sobre o assunto, embora a visão geral seja de que o País está numa posição boa sobre o endividamento público.
O professor da Faculdade de Economia da Administração (FEA), da Universidade de São Paulo (USP), Simão Silber, acredita que o déficit nominal deve ser elevado para 2% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano. Para Simão, o aumento do déficit nominal decorre da redução da receita de tributos provocada pela queda das riquezas produzidas no País. Apenas no último trimestre do ano passado, o PIB recuou 3,6% sobre o trimestre anterior, o que vai ter impacto na arrecadação. Ele prevê perda de R$ 60 bilhões este ano em relação ao ano passado, o que representaria um recuo de 8,5%, sobre os R$ 701,4 bilhões arrecadados. Os tributos que mais devem pesar na queda da arrecadação tributária, segundo Simão, são o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), pela queda da atividade econômica, e Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). Este último influenciado pela perda de lucratividade dos ativos negociados na bolsa. Diante de tal cenário, o Silber diz que, por enquanto, a crise afastou a hipótese de o Brasil obter o chamado déficit nominal zero em 2010.
O economista Amir Khair, ex-Secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo, afirma que as contas públicas no biênio 2009-2010 serão beneficiadas pela trajetória de queda da Selic, que reduz o juro da dívida. Ele acrescenta que o Brasil está numa das melhores posições do mundo em relação à administração do endividamento público, melhor, inclusive, do que prega o Tratado da União Européia que estabelece déficit nominal de 3% e dívida pública de 60% do PIB. No ano passado, a dívida do Brasil caiu para 35,8% do produto. Enquanto isso, o déficit nominal do Estados Unidos é de 12,3%, comparou Khair. "Nossa situação é extraordinária."
Khair acredita que o déficit nominal este ano deverá ficar estável em relação ao do ano passado, em 1,53%, enquanto que o montante para o pagamento do juro deve recuar para 4% do PIB, algo entre R$ 120 bilhões e R$ 125 bilhões, diante do recuo da Selic que deve prosseguir. E assim, reduzir a dívida pública em proporção ao PIB. "O Banco Central terá conforto para fazer novas reduções da taxa Selic, porque não há ameaças de inflação e isso será cobrado pelo mercado."
Já Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, considera "corajoso" o economista que consegue citar números efetivos de projeção, diante de "tantas incertezas" .
A equipe econômica do governo, por seu lado, começou a revisar o orçamento público e os demais parâmetros econômicos, como arrecadação de tributos e PIB, diante do forte recuo da atividade no final de 2008. Os ajustes serão anunciados em 20 deste mês. A previsão atual para o PIB é de alta de 3,5%, taxa que deve cair para algo de 2%.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 5)(Viviane Monteiro)