Título: Presidentes discutem crise e etanol
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Fonte: Gazeta Mercantil, 16/03/2009, Internacional, p. A16

Washington, 16 de Março de 2009 - A atual crise econômica pode ser resolvida com decisões políticas na Cúpula do G20, dia 2 de abril, declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no sábado, em entrevista à imprensa ao lado do presidente norte-americano, Barack Obama, na Casa Branca. "O presidente Obama e eu estamos convencidos de que esta crise econômica pode ser resolvida com decisões políticas na reunião do G20 em Londres", disse Lula, primeiro líder da América Latina a ser recebido pelo líder norte-americano desde sua posse em 20 de janeiro.

Para tranquilizar os mercados e devolver a confiança aos cidadãos, "todos os líderes têm de estar convencidos de que é preciso tomar decisões rápidas", acrescentou Lula, após a reunião de mais de uma hora com Obama.

Por sua vez, o presidente norte-americano rejeitou sugestões sobre um racha no G20 e assegurou à China que seus investimentos nos Estados Unidos estão seguros após encontro com Lula, que também abordou as relações com a América Latina. O presidente dos EUA afirmou durante o encontro na Casa Branca que são falsas as sugestões de uma divisão no G20.

"Não posso ser mais claro em dizer que não há lados", disse Obama a repórteres ao comentar uma aparente tensão entre países europeus e os EUA sobre a ênfase que deve ser dada a gastos públicos ou regulação para enfrentar a crise financeira global. Classificando a questão de um "debate artificial", Obama disse que não há um maior defensor da necessidade de uma reforma da regulação financeira do que ele próprio.

Obama desmentiu que haja divergências entre os países industrializados e emergentes do G20 sobre os meios de se resgatar a economia global. Ele rejeitou a ideia de que "de alguma maneira estão se desenvolvendo grupos dentro do G20". "Não estão saindo de Tim Geithner, não estão vindo de Larry Summers (alto assessor econômico), não estão saindo de mim", disse Obama aos repórteres no Salão Oval.

O comentário de Obama na Casa Branca foi feito pouco depois de o secretário americano do Tesouro, Timothy Geithner, ter dito em uma cúpula de ministros das Finanças do G20, na Grã-Bretanha, que o mundo está trabalhando unido de uma maneira "sem precedentes nos tempos modernos" para enfrentar a crise financeira.

Obama também tentou passar segurança à China, que expressou preocupação na sexta-feira que os enormes gastos fiscais dos EUA e taxas de juro próximas a zero possam erodir o valor do grande volume de títulos norte-americanos detidos pelo país asiático.

"Há uma razão pela qual, mesmo no meio dessa enorme crise econômica, você tenha visto uma elevação no fluxo de investimentos aqui nos Estados Unidos", afirmou. "Penso que é um reconhecimento que a estabilidade não apenas do nosso sistema econômico, mas também de nosso sistema político é extraordinária."

"Não apenas o governo chinês, mas todos os investidores podem ter absoluta confiança na solidez dos investimentos nos Estados Unidos.", afirmou Obama

Tensão com etanol

O presidente Lula afirmou ter dito a Obama que eles devem trabalhar para retomar a chamada Rodada de Doha, embora reconheça que possa ser difícil num momento de crise econômica. "Eu acho que na crise econômica é mais difícil a gente concluir o acordo. Mas penso que a conclusão do acordo pode ser um dos componentes para aliviar da crise os países mais pobres do mundo", disse Lula, após afirmar, antes de viajar para Washington que protecionismo não é solução para a crise.

Obama, por sua vez, afirmou estar comprometido a atenuar as diferenças que impediram que um acordo fosse alcançado. "Pode ser difícil para nós finalizar acordos comerciais em meio a uma crise como esta, embora nós tenhamos nos comprometido a sentar com os nossos parceiros brasileiros para encontrar caminhos para diminuir as distâncias na Rodada de Doha e em outros potenciais acordos comerciais", disse o líder norte-americano.Ele também reconheceu que as tarifas norte-americanas sobre as importações de etanol para os Estados Unidos têm sido "uma fonte de tensão" que não irá mudar da noite para o dia. Os produtores brasileiros de etanol não estão satisfeitos com a tarifa de importação de US$ 0,54 para cada galão de etanol exportado do Brasil para os EUA. Os produtores norte-americanos de etanol, que recebem subsídios do governo de seu país, temem que as importações de etanol inundem o mercado norte-americano prejudicando assim os seus negócios.

"Com o tempo, a fonte de tensão pode ser resolvida", disse Obama, sem indicar se haveria uma diminuição das tarifas norte-americanas de importação do etanol, que devem vigorar até 2010.

Lula espera uma avanço nas relações com a América Latina e que os Estados Unidos terminem com o longo embargo comercial imposto a Cuba, bem como uma reaproximação com o presidente venezuelano, Hugo Chávez, um dos críticos mais ferozes de Washington. "O presidente Obama tem uma posição única e excepcional para melhorar sua relação com a América Latina", afirmou Lula.

Obama disse que pretende visitar o Brasil em breve e afirmou em tom de brincadeira que os Republicanos apoiariam também tal visita, caso ele se perdesse na Amazônia. Durante o encontro com o presidente da maior potência mundial, Lula afirmou também que Obama tem uma "oportunidade histórica" de melhorar as relações com a América Latina".

"Os Estados Unidos devem desenhar uma nova política de desenvolvimento para a região", acrescentou Lula, que expressou sua "alegria" por poder se reunir pela primeira vez com Obama. Ele declarou ser um "grande admirador da liderança progressista" do Brasil e, em particular, do papel que Lula exerce na América Latina.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 16)(Reuters e AFP)