Título: Total dos prejuízos após quebra do Lehman ainda é um mistério
Autor: Nascimento,Iolanda
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/03/2009, Finanças, p. B1
São Paulo, 16 de Março de 2009 - Ontem completou seis meses que o mercado mundial acordou atônito com o pedido de concordata do centenário Lehman Brothers. O quarto maior banco de investimento dos Estados Unidos, fundado em 1850 e um dos pilares do que havia de mais moderno no sistema financeiro norte-americano, estava quebrado. E seis meses não foram suficientes para minimizar a perturbação, já que ninguém esperava que os Estados Unidos deixassem um dos seus ícones sucumbir. O choque se alastrou quase imediatamente sob forma de desconfiança generalizada, levando o sistema financeiro mundial a uma das maiores crises em décadas. É consenso entre os especialistas que esta é a pior desde a grande depressão iniciada com o crash da bolsa em 1929. O que era uma crise de crédito - que deu seus sinais mais sórdidos um ano antes da quebra do Lehman e que, inclusive, o levou à falência por explorar os sofisticados instrumentos financeiros de títulos lastreados em hipotecas imobiliárias - se agravou em uma crise de liquidez, deteriorando a situação dos que já estavam mal.
Daí seguiram-se outras derrocadas e o mundo viu que Wall Street estava ruindo, não apenas contabilizando perdas com créditos arriscados. No mesmo dia em que o Lehman quebrou, o Merrill Lynch, outro renomado banco de investimento, acertou às pressas a venda para o Bank of America, por US$ 50 bilhões. Outros dois grandes do segmento, Goldman Sachs e Morgan Stanley, foram autorizados pelos reguladores norte-americanos a se tornarem bancos comerciais, a fim de diminuir riscos e se livrarem da potencial quebra, marcando o fim da "fase dourada" dos bancos de investimentos, muitos vendidos a preço de ocasião
As vendas do Washington Mutual e do Wachovia para o JPMorgan Chase e Wells Fargo, respectivamente , também salvaram essas instituições do naufrágio. Gigantes da área comercial como o Citigroup (Citi) e o Bank of America anunciaram rombos em suas contas e o Citi até hoje ainda não encontrou um novo rumo. Pior do que o cenário norte-americano é que os principais bancos europeus também estavam mais contaminados do que se imaginava. O suíço UBS foi um dos que registrou mais perdas, bem como o HSBC Bank amargou sérios prejuízos. A lista é extensa.
De lá para cá, o mundo mudou sensivelmente para um patamar bem abaixo que, no entanto, poucos arriscam a quantificar. Os prejuízos e baixas contábeis dos bancos já beiram os US$ 2,2 trilhões, conforme números do Fundo Monetário Internacional (FMI), que estão sendo sempre revistos. Em abril de 2008, o FMI estimava em pouco mais de US$ 900 bilhões. Muitos dizem que boa parte do que existe de títulos "podres ou tóxicos", como são denominados informalmente os papéis que possibilitaram a grande alavancagem das instituições, ainda não veio a público. Na ponta do lápis, sabe-se que apenas US$ 1 trilhão, dos US$ 3 trilhões do mercado imobiliário de alto risco dos Estados Unidos, que lastreava a maioria dos títulos, já foi baixado como perdas. Relatório recente do Banco de Desenvolvimento da Ásia mostra que o valor dos ativos financeiros mundiais (incluindo ações, bônus e moedas) pode ter sido reduzido em mais de US$ 50 trilhões em 2008, equivalente a um Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Na América Latina caiu cerca de US$ 2,1 trilhões. As bolsas globais perderam cerca de US$ 28,7 trilhões.
O socorro dos governos também se avolumou. Os EUA, envoltos em recessão, não quiseram arriscar a piorar a situação deixando mais um naufragar, seguindo o exemplo do Reino Unido, um dos primeiros a injetar capital nos bancos, nacionalizando instituições como o Northern Rock e Bradford & Bingley (que teve parte comprada pelo Santander), entre outras. O exemplo de Gordon Brown, primeiro-ministro do Reino Unido, foi seguido por outros governos europeus e também pelos EUA, que nacionalizaram a Fannie Mae e a Freddie Mac, as duas maiores financiadoras de hipotecas do país e já injetou bilhões de dólares no Citi, arrematando uma boa fatia do banco, e no Bank of America.
Em curso, os EUA têm dois planos de salvamento do setor: um de US$ 700 bilhões proposto no governo anterior e o atual, de Barak Obama, de US$ 1,5 trilhão, que pode chegar a US$ 2 trilhões. E o mundo está à espera de que esses planos deem certo e que um dia se saiba onde está o fundo do poço.
Ver também página B3(Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 1)(Iolanda Nascimento)