Título: Quem ganha com essa mudança no vestibular?
Autor: Trevisan, Leonardo
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/04/2009, Opinião, p. A3

16 de Abril de 2009 - A mudança nos vestibulares das universidades federais ganhou novo capítulo. Tudo começou com a decisão de acabar com o direito de cada instituição fazer seu próprio exame em datas diferenciadas. Para alcançar essa unificação o Ministério da Educação usará o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), fazendo teste único e nacional. A mudança foi vendida como aumento da liberdade do aluno de escolher o curso e a escola em qualquer ponto do País, conforme a pontuação obtida. Não colou. Os reitores, mais experientes, perceberam o óbvio: a mobilidade pretendida vai ocorrer na mão inversa. As vagas do interior dos cursos mais concorridos serão ocupadas pelos alunos mais bem preparados. Não será o estudante do Norte e do Nordeste que se mudará para o Sul, porque não irá tirar as melhores notas do novo Enem. O reitor da Universidade Federal Fluminense resumiu: "Em vez de democratizar o acesso, vai elitizá-lo".

O MEC não desistiu e mexeu na proposta para convencer os reitores: os vestibulandos poderiam usar os resultados da prova única em cinco diferentes cursos na mesma universidade ou em até cinco cursos diversos em várias instituições federais. Como a resistência dos reitores permanecia, o MEC buscou outra forma de convencê-los: quem aderir à substituição do vestibular próprio pelo novo Enem recebe mais recursos financeiros para assistência estudantil. De uma hora para outra o MEC dobrou a verba para esse fim de R$ 200 milhões para R$ 400 milhões. Agora, a toque de caixa, os reitores devem levar a decisão final para os Conselhos Universitários e voltar a Brasília até o final de abril para uma posição definitiva, uma vez que o ministério quer colocar em prática a mudança já em outubro, para os vestibulares deste ano.

Como se sabe, nada em educação é instantâneo. Mudanças nessa área, se democráticas, são processos lentos. A pressa na imposição de vestibular único provocou desconfianças. Há evidências de que o ministro Fernando Haddad tem pretensões eleitorais, o que é direito dele, mas é fato também que vestibular é assunto que dá muito mídia. Essa hipótese para tanta pressa é só um lado da questão. Essa alteração terá alto impacto em todo o sistema educacional, inclusive destruindo experiências bem-sucedidas ao longo dos anos. Uma delas, aliás, é o próprio Enem.

Esse exame, iniciado em 1998, lentamente conquistou a confiança dos alunos do ensino médio. Seu objetivo é oferecer certificação, uma avaliação individual do quanto o concluinte desse ciclo está "preparado para a vida". Por isso, nesse exame não são exigidos apenas conteúdos formais, mas também competências e habilidades, investigando a capacidade do aluno de resolver situações-problema. É um instrumento diferente de avaliação para a imensa parcela da população que não chega ao ensino superior. Aliás, como não é conteudista, no pedagogês, universidades de elite passaram a usar o Enem para incluir alguma preocupação com as referidas competências e habilidades nos seus exames. Transformar o Enem em vestibular anula esse avanço, sem alterar o perfil do corpo discente da universidade. Mais igualdade na disputa por essas vagas só será alcançada quando o ensino médio melhorar.

O corpo técnico do MEC preferiu justificar a mudança com argumento mais incisivo: com um exame único será possível alcançar um currículo nacional obrigatório para o ensino médio, via domínio total do vestibular. É curioso, mas seria o caso de perguntar se os cursos apostilados, típicos das grandes redes educacionais privadas, estão contentes com o novo vestibular? Lembrar que o País contém forte diversidade regional é pouco nesse tema. Flexibilidade de grade curricular no ensino médio é consenso entre educadores se a pretensão for atender tanto as diferentes ambições profissionais dos alunos, como a contínua mudança dos ciclos tecnológicos. Engessado, burocrático, estatizado, pelo vestibular nacional e único, aí sim que o ensino médio não acompanhará mesmo as mudanças do mundo. É impressionante o silêncio dos interessados, desde as associações empresariais até os sindicatos de professores, passando pelos donos das escolas privadas menores. Nesse assunto, o espaço do debate, salvo as exceções de sempre, acabou ocupado pelos áulicos de plantão e pela máquina publicitária do governo. É uma pena.

kicker: Todo engessado, ensino médio não atenderá às necessidades do aluno carente

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) LEONARDO TREVISAN* - EditorialistaE-mail: ltrevisan@gazetamercantil.com.br)