Título: Com eleição mais perto, o rigor fiscal se arrefece
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Fonte: Gazeta Mercantil, 17/04/2009, Editoriais, p. A2
17 de Abril de 2009 - A Receita Federal comunicou que o governo arrecadou R$ 53,2 bilhões em impostos e contribuições em março, uma queda real de 1,11% quando comparada com o mesmo mês do ano passado. Porém, no trimestre, a arrecadação somou R$ 160,3 bilhões, 6,6% a menos do que o coletado de janeiro a março de 2008. Embora o recuo de março seja menor que a perda de 7,1% de janeiro e de 11,5% em fevereiro, sempre em relação ao mesmo período do ano passado, o recuo no volume arrecadado representa o quinto mês consecutivo de diminuição na arrecadação. Esta é apenas a realidade dos efeitos da crise nas atividades econômicas do País. E como qualquer dona de casa sabe quando a receita cai, despesas devem ser cortadas.
Essa elementar premissa, porém, não vale para o governo no Brasil, do federal até o municipal. Há muitas mágicas, para não falar em manobras, para que os donos dos cofres públicos possam agir diferente do que fazem as responsáveis pelo orçamento doméstico. Desse modo, o governo anunciou uma série de medidas para poder gastar mais, tanto em 2009 como em 2010. A principal delas foi a redução do superávit primário deste ano, da meta original de 3,8% para 2,5% do PIB. Em termos absolutos será o menor esforço fiscal desde 1999.
O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, habitualmente comedido, respondeu com ironia a pergunta da imprensa sobre se a redução do superávit não seria medida eleitoreira: "É sim, como todas as outras que vocês dizem que são", um pouco antes de reconhecer que a redução para 2,5% do PIB de economia forçada para pagar juros fará com que o governo chegue em 2010 em boa saúde fiscal e financeira, apesar da crise e dos aumentos dos gastos. A sinceridade de Bernardo merece elogio porque o ministro da Fazenda preferiu outro caminho ao deitar falação sobre política anticíclica para impulsionar a economia. Ora, o que de fato ocorre é que a receita despencou e o governo sequer cogita de cortar gastos, em especial, os da folha de pagamento do funcionalismo em um período eleitoral. Não se diga que o ano eleitoral está restrito a 2010, porque o presidente Lula oficialmente admitiu que tem candidata, nomeando-a expressamente em entrevista a uma rádio. O ano eleitoral já começou, seja pela exposição dos candidatos, seja pelo relaxamento da política fiscal, como a derrubada do superávit ostensivamente comprova.
É preciso reconhecer que política anticíclica começa pelo empenho absoluto do governo em manter os investimentos do setor público. Não é o que vem ocorrendo: o compromisso essencial do governo federal é com os gastos de custeio. Por exemplo, na mesma entrevista em que a redução do superávit foi anunciada, o ministro do Planejamento também informou que o governo irá cumprir todos os acordos de reajustes de salários acordados com os servidores até o final de agosto do ano passado. Se a derrubada do superávit irá gerar uma sobra de caixa da ordem de R$ 40 bilhões, em uma conta conservadora, os reajustes mantidos com o funcionalismo apesar da crise devem implicar gastos extras de cerca de R$ 30 bilhões, em uma previsão otimista.
É curioso, mas a responsabilidade de manter o fluxo de investimento ficou delegada definitivamente à Petrobras. O governo isentou a estatal de continuar a contribuir para o cumprimento da meta fiscal do próximo ano, uma decisão tomada para dar mais liberdade de investimento para a empresa. A alteração é correta porque o governo sempre contou com o resultado financeiro da estatal para sustentar o resultado primário. A situação mudou e o governo agora precisa que a responsabilidade de "tocar as maiores obras do PAC" fique mesmo com a estatal.
O governo opera na coluna de gastos na administração pública como se a crise não existisse. Por que é politicamente necessário, as prefeituras, como já avisou o presidente Lula, receberão neste ano a mesma quantia de recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) recebida em 2008, apesar da desoneração oferecida a diferentes setores da economia, com forte impacto na receita. Aliás, merece registro que a maioria governista na Câmara aprovou ontem a Medida Provisória n 451, com artigo extra que autoriza a União a repassar verbas federais a municípios inadimplentes, algo rigorosamente vetado pela Lei de Responsabilidade Fiscal vigente. A manobra prevista na MP é a assinatura de um convênio especial da prefeitura com o governo federal. Desse modo, parece certo que os R$ 40 bilhões da redução do superávit não devem irrigar a economia toda, mas só os terrenos do governo. E, especialmente, seus redutos eleitorais.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)