Título: Crise leva à moratória branca e renegociação de planos
Autor: Santos,Gilmara
Fonte: Gazeta Mercantil, 26/03/2009, Direito Corporativo, p. A12

São Paulo, 26 de Março de 2009 - A crise financeira mundial pegou todas as empresas de surpresa e levou muitas a recorrem à recuperação judicial para manter suas atividades. O resultado disso é um aumento de 393% nos pedidos em janeiro deste ano se comparado ao mesmo período do ano passado. Para essas empresas, a situação, apesar de complicada, está melhor do que para as que recorreram a este instituto jurídico antes da crise financeira despontar em outubro do ano passado e que deviam estar pagando seus parcelamentos.

"As empresas em recuperação judicial estão chamando seus credores para renegociar seus planos", diz o advogado Carlos Suplicy de Figueiredo Forbes, do escritório Mundie e Advogados, ao afirmar que os credores estão mais condescendentes nas negociações. "O cumprimento dos planos de recuperação vai ser quase impossível", diz o advogado. "As propostas que foram fechadas antes da crise financeira estão muito dolorosas para as empresas", concorda o advogado Anderson Albuquerque, do escritório Albuquerque e Alvarenga Advogados. "A realidade era outra quando os projetos foram aprovados, agora as empresas têm que se ajustar", afirma o sócio da área de corporate finance da Deloitte Touche Tohmatsu, Luís Vasco Elias.

Segundo especialistas, dois fatores estão sendo verificados. O primeiro é que alguns credores estão concedendo uma espécie de moratória branca aos seus devedores. Ou seja, estão esperando alguns meses de inadimplência, em média seis meses, para executar o plano de recuperação. De acordo com a Lei de Recuperação e Falência de Empresas (a chamada nova Lei de Falências), o descumprimento da recuperação judicial pode levar diretamente à quebra da empresa. "Há casos em que as empresas que estão em dificuldades para honrar seu plano e procuram os credores mais expressivos para tentar negociar. Mas são conversas pontuais", revela o advogado Edemilson Wirthmann Vicente, do escritório Limonge e Wirthmann Vicente Advogados.Outro fator é que as empresas estão pedindo a revisão dos planos de recuperação com a convocação de uma nova assembléia de credores. "O aditamento é possível, desde que os credores concordem com isso", diz Forbes.

Mudança de cenário

O economista Fábio Astrauskas, da Siegen - empresa especializada em consultoria empresarial - explica que as propostas aprovadas antes da crise financeira, entre 2007 e 2008, foram feitas com outro cenário econômico. "Bem mais otimista do que o que vem ocorrendo desde outubro do ano passado", comenta. "Por mais que o plano tenha sido conservador, as empresas estão tendo dificuldades em pagar porque as projeções não vingaram", esclarece o advogado Fernando Nees, do escritório Martinelli Advocacia Empresarial.

Foi isso que aconteceu com um dos clientes da Siegen. Uma empresa de estamparia que fornece seus produtos para montadoras de veículos teve uma queda de 50% nas suas vendas em relação a 2007. Com uma dívida de R$ 25 milhões, a empresa havia negociado o pagamento em oito parcelas anuais. A primeira foi paga em julho do ano passado. Mas desde setembro as vendas caíram pela metade e a previsão é de que não será possível fazer o pagamento integral da parcela que vence em julho. Fábio Astrauskas explica que a empresa pretende convocar uma nova assembléia de credores para discutir o cenário atual e propor uma nova alternativa para a quitação da dívida.

"Cerca de 90% dos nossos clientes terão que pedir renegociação", revela Fábio Astrauskas. De acordo com ele, os únicos clientes imunes à essa reviravolta do mercado são os que optaram por condicionar os pagamentos a um percentual do faturamento. "Apenas esses não têm necessidade de rever os planos", diz o economista.

O advogado Fernando Nees comenta que é mais prudente para a empresa convocar uma nova assembléia do que fazer uma proposta diretamente aos credores ou deixar de pagar as parcelas combinadas. "Isso pode ser perigoso porque um credor insatisfeito pode pedir a falência por não cumprimento do plano judicial", afirma Nees. O advogado explica que prefere pedir a revisão da recuperação diretamente na Justiça, mas que ainda não tem decisões sobre o tema.

Teste para a nova lei

Como a Lei de Falências ainda é muito nova, entrou em vigor apenas em junho de 2005, os casos de recuperação judicial ainda são poucos e, até por isso, não há grande demanda para renegociar dívidas. Mas, afirmam os especialistas, a crise financeira atual é um grande teste para a nova lei. O advogado Edemilson Wirthmann Vicente comenta que os poucos pedidos de recuperação judicial que ocorreram antes do início da crise financeira estão deixando poucas empresas em situação de pedir renegociação. "Algumas começam a caminhar até para falência e pedir a renegociação de dívidas pode ser uma alternativa", comenta o advogado. De acordo com ele, muitos devedores ainda estão em período de carência, por isso, não dá para saber se haverá ou não inadimplência.

Para Luís Vasco Elias, da Deloitte, extrajudicialmente muitas empresas já estão pedindo aos seus credores a repactuação de dívidas. E no âmbito judicial, diz Vasco, há uma probabilidade enorme de começar a acontecer logo. "Este processo de repactuar ou escalonar pagamentos deve começar a partir de agora porque os meses de novembro e dezembro são atípicos", diz Vasco. "No geral, as empresas vão precisar renegociar seus planos de recuperação", complementa o executivo.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 12)(Gilmara Santos)