Título: E a Ficha Limpa subiu no telhado
Autor: Rizzo, Alana ; Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 25/03/2011, Política, p. 2

Depois de perder a validade para as eleições de 2010, a Lei da Ficha Limpa corre risco de ser desconstruída item por item no Supremo Tribunal Federal (STF). Os principais defensores da legislação vislumbram problemas futuros, especialmente no princípio da retroatividade ¿ segundo o qual a lei não pode retroagir para prejudicar o réu¿ e na presunção da inocência, na qual é preciso sentença transitada em julgado (até a última instância) para restringir direitos. Advogados de defesa já constroem teses e o ministro do Supremo, Luiz Fux, responsável pelo voto de desempate da quarta-feira, chegou a sugerir que o Congresso reescreva a lei.

Os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e o presidente Cezar Peluso já se manifestaram em defesa da retroatividade. Essa linha de argumentação, que tem a simpatia dos ministros Dias Toffolli e Luiz Fux, tem consequências claras para a aplicabilidade da Lei Ficha Limpa. Todos os políticos condenados foram sentenciados antes de 7 junho de 2010, data da sanção da nova lei. Portanto, deverão escapar impunes ao espírito da Ficha Limpa e poderão se candidatar.

O futuro da Ficha Limpa deixou um sentimento de frustração. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, é exemplo. Na noite de quarta-feira, com uma taça de vinho Catena, da uva malbec, à frente, conversava com amigos expondo as preocupações sobre o futuro da lei que ele defendeu com ardor ao longo do processo eleitoral. ¿Não está assegurado que a lei valerá para 2012¿, repetiu. E não é apenas ele que tem essa visão. Em conversas reservadas, advogados e juízes eleitorais que dividiam a mesa com Lewandowski tinham posição pragmática: acreditam que em 2012, ano das eleições municipais, virá uma enxurrada de ações para derrubar a lei alínea por alínea.

Mesmo quem responder processo na Justiça e tiver a diplomação barrada pela Ficha Limpa terá chance de ver o mandato recuperado por um fato simples: ninguém é considerado culpado até que a ação tenha tramitado em última instância. Mas, pela Lei da Ficha Limpa, o fato de ter sido condenado por um colegiado (segunda instância) impede a diplomação. Há quem acredite que isso vá cair até 2012. A avaliação geral do grupo de Lewandowski é de que criatividade não faltará aos advogados.

Também favorável à validade da lei nas eleições de 2010, o ministro Ayres Britto se mostrou realista quanto ao futuro. ¿Ninguém é inocente ou ingênuo para perceber que quando da aplicabilidade da lei nas eleições de 2012 haverá questionamentos¿, disse. Britto, porém, mostrou otimismo. ¿Pelo que se percebeu no STF, o clima é de reconhecimento da constitucionalidade do texto¿, completou.

O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, afirmou que a decisão incomodou a sociedade. ¿Embora o sentimento da sociedade seja de frustração, tal fato não significa uma derrota porque a Lei da Ficha Limpa é constitucional e será aplicada às próximas eleições. O juiz Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), prepara agora uma ofensiva pela reforma política.

Os aliados da Ficha Llimpa são praticamente unânimes em apontar que os senadores e deputados não queriam a legislação, mas não falaram contra para não confrontar o eleitorado na hora do voto. A pressão popular, entretanto, não foi suficiente para garantir um texto à prova de ações judiciais.

Revisão Para o ex-presidente do STF Gilmar Mendes, a lei precisa de ajustes. Segundo ele, não se pode antecipar penas de inelegibilidade para casos de condenações não transitadas em julgado de improbidade administrativa. Ele responsabilizou o Congresso por ter recebido a proposta de lei, de origem popular, de forma ¿acrítica¿. Mendes foi o relator do processo julgado no Supremo que resultou na decisão da Corte de não aplicar a lei para as eleições de 2010.

O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, afirmou que a legislação terá de evoluir e tratar de forma mais clara a questão da presunção da inocência. ¿É um processo que tem que ser equilibrado para evitar que haja inocentes condenados por antecipação¿, destacou.

Colaborou Ivan Iunes