Título: O vaivém de processos
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 25/03/2011, Política, p. 4

A decisão sobre a não validade da Lei da Ficha Limpa vai iniciar um vaivém de processos entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e tribunais estaduais. Graças à polêmica prerrogativa de foro privilegiado concedida aos parlamentares, ações contra deputados e senadores que conseguiram o aval da Justiça para assumir mandatos eletivos vão voltar a tramitar na Suprema Corte, distanciando-se ainda mais de um desfecho. Desde janeiro, nada menos do que 69 processos deixaram os gabinetes dos ministros com destino a instâncias inferiores, porque os políticos não foram eleitos para cargos no Congresso. Agora, uma parcela deles vai retornar.

O campeão de provocar idas e vindas das ações que tramitam contra ele é Jader Barbalho (PMDB-PA), agora eleito senador. Depois de renunciar ao mandato de deputado federal em 30 de novembro do ano passado ¿ dois meses antes do término da legislatura ¿, o peemedebista levou os processos nos quais é réu para a Justiça do Pará. Nem bem caminharam na instância inferior e Barbalho agora força a subida ¿ mais uma vez ¿ das ações para o STF, já que passa a ter novamente foro privilegiado.

Paulo Maluf (PP-SP), que também assume a vaga para a qual havia sido barrado, não chegou a provocar movimentação nos processos contra ele desta vez. No entanto, deve ser salvo também pelo tratamento especial dado pela legislação aos parlamentares. É que ao assumir o cargo de deputado, Maluf garante sua permanência no seleto grupo de beneficiados com foro privilegiado e, com isso, o seu julgamento só pode ser feito pelo STF. Como na Suprema Corte os processos demoram mais para serem decididos do que nas Justiças estaduais, as ações que acusam o parlamentar de improbidade administrativa e desvio de recursos públicos devem prescrever por conta da idade de Maluf. Segundo a lei, a prescrição cai para a metade do tempo depois dos 70 anos.

Dsânimo O vaivém dos processos tem irritado os ministros do Supremo. Nos bastidores, eles admitem que as artimanhas disponíveis na legislação brasileira e que podem ser usadas por políticos às vésperas dos julgamentos pelo STF desanimam os juízes a se dedicarem aos casos. De acordo com dois dos integrantes da Corte ouvidos pelo Correio, a pior parte desse contexto é a possibilidade de renúncias para forçar o envio dos processos para a primeira instância. Além disso, os ministros afirmam que sempre há atrasos no desfecho dos processos quando uma Corte envia os casos para outras. Para eles, somente o Congresso poderia mudar a situação atual, tratada como ¿escabrosa¿ por um integrante do plenário.

No entanto, os parlamentares não parecem nada dispostos a modificar regras que concedem regalias a eles próprios. Tanto que uma proposta de emenda à Constituição (PEC) apresentada em 2007 pelo ex-deputado Marcelo Itagiba está pronta para ser votada em plenário há quase dois anos. Aprovada pelas comissões, ela adormece na fila do plenário à espera da boa vontade dos líderes partidários.

O poder que o foro privilegiado tem na defesa de políticos condenados pode ser demonstrado no caso do ex-deputado federal Francisco Tenório. Acusado de assassinato e réu em outros três processos, o parlamentar foi preso pela Polícia Federal em 3 de fevereiro, quando ainda nem tinha desocupado o apartamento funcional da Câmara. ¿Se tivesse sido eleito em outubro do ano passado, o político estaria transitando normalmente pelos corredores do Congresso e decidindo sobre questões importantes para a nação¿, comenta um integrante da Corte.

Imunidade A Constituição Federal de 1988 garante aos deputados federais e senadores, em seu artigo 53, o direito à inviolabilidade, ao foro privilegiado e à imunidade parlamentar. Por isso, os detentores de mandato no Congresso Nacional são invioláveis civil e penalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Para mudar essas regalias, somente com a aprovação de PEC pelos próprios parlamentares.