Título: Cautelosa, China agora exige mais estabilidade política e econômica
Autor: Polgreen,Lydia
Fonte: Gazeta Mercantil, 30/03/2009, Internacional, p. A12

30 de Março de 2009 - Operários chineses e guineanos trabalham lado a lado num local de construção ensolarado nessa margem decadente da cidade, construindo o mais recente simbolo de uma antiga e sólida aliança: um estádio de US$ 50 milhões com capacidade para 50 mil pessoas.

Esta cidade está repleta desses simbolos de amizade que primeiro floresceram quando a Guiné era um Estado socialista isolado e em dificuldades no final dos anos 1950.

Mas até agora a Guiné ainda não conseguiu o que realmente deseja da economia que cresce mais rápido no mundo: um acordo de muitos bilhões de dólares para construir infra-estrutura que necessita desesperadamente em troca de acesso às vastas reservas de bauxita e minério de ferro do país empobrecido.

À medida que os preços de commodities afundaram e diversos parceiros comerciais africanos da China tropeçaram mais fundo no caos, a China voltou atrás de alguns de seus mais arriscados e agressivos planos e passou a pedir as mesmas garantias que as empresas ocidentais há muito procuram para proteger seus investimentos: estabilidade econômica e política.

"A situação política não é muito estável", disse Huo Zhengde, o embaixador chinês no país, numa entrevista, justificando a hesitação do país em investir bilhões na Guiné, onde uma junta militar tomou o poder após a morte do presidente de longa data em dezembro. "Os mercados internacionais não são favoráveis", disse Zhengde.

Há apenas um ano, a China parecia reverter a ordem de décadas na África, ocupando o vazio deixado pelas empresas ocidentais tímidas demais para investir nos países ricos em recursos, porém frágeis, quando o mercado para o cobre, estanho, petróleo e madeira disparavam para novas altas. Na nova luta pelas riquezas da África, a China buscava uma fatia opulenta.

Sem compromissos e um forte apetite pelo risco, a China parecia oferecer à África uma alternativa econômica e política completa, sem a reestruturação econômica que os países ocidentais e as agências internacionais de ajuda econômica cobravam da África por anos, muitas vezes com consequências nada inspiradoras. A ascensão da China, em busca de amigos e recursos naturais, parecia emitir um cheque em branco.

Hoje, a busca da China por matérias-primas não parou. As empresas estatais procuram bons negócios com cobre e minério de ferro em lugares mais estáveis como Zâmbia e Libéria. Mas as empresas chinesas estão agora conduzindo negociações mais duras e evitam algumas das áreas mais caóticas do continente. Os governos africanos que se deparam com a queda da receita estão percebendo que podem ainda necessitar da ajuda do ocidente afinal.

"Vimos no passado recente que as empresas chinesas entram em países que ninguém mais entraria", disse Philippe de Pontet, analista da Eurasia Group, uma empresa de pesquisa privada. "Isso pode estar mudando", disse De Pontet.

Em 2007, a China anunciou um acordo de US$ 9 bilhões com o Congo pelo acesso ao seu tesouro de cobre, cobalto, estanho e ouro em troca do desenvolvimento de estradas, escolas, represas e ferrovias necessárias para reconstruir um país quase do tamanho da Europa Ocidental e devastado por mais de uma década de guerra.

Mas esse acordo está agora incerto já que a queda dos preços deixou o Congo numa posição de negociação bem mais frágil. Além disso, de repente encontra-se necessitando da ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI), que se opôs a reduzir a antiga dívida, mesmo quando o Congo assume o que equivale a novos empréstimos lastreados pelo níquel da China. A turbulência política e étnica do Congo permanece profunda, e sua economia está perto do colapso.

Um ano atrás esses fatores pareciam irrelevantes. As empresas chinesas não hesitavam em fechar negócios para procurar petróleo nas águas infestadas por piratas na costa da Somália, ou em extrair metais de uso industrial em lugares como o Zimbabwe.

Diferentemente de muitas empresas ocidentais, as petrolíferas estatais chinesas não tinham problemas de consciência em fazer negócios com o governo do Sudão, que se tornou um paria internacional por causa do conflito em Darfur.

A China adotou um novo modelo para o investimento africano: acordos mutuamente benéficos entre países soberanos com nenhuma das intervenções tão comuns entre doadores e investidores ocidentais, com suas exigências de padrões trabalhistas e ambientais, assim como respeito pela democracia e pelos direitos humanos. Essas estratégicas mostraram-se populares entre os governos africanos, e o comércio entre África e China cresceu para mais de US$ 100 bilhões em 2008, de menos de US$ 10 milhões nos anos 80. Os líderes africanos falaram abertamente da oferta da China de uma alternativa para os editais das instituições dominadas pelo ocidente, como o FMI e o Banco Mundial.

Mas aqui na Guiné, que tem um dos maiores depósitos mundiais de bauxita, minério necessário à produção de alumínio, essa esperança quase ruiu por terra.

"Os chineses mudaram suas estratégias", disse Ibrahima Sory Diallo, economista sênior do Ministério das Finanças da Guiné e defensor dos investimentos chineses. "Eles não vão injetar US$ 5 bilhões num país instável num clima de mercado indefinido".

Os colonizadores franceses no passado chamaram a Guiné de escândalo geográfico, tão ricos são os depósitos de minerais valiosos. Apesar de anos de mineração e bilhões em lucros, a Guiné permanece um dos mais pobres e menos desenvolvidos países da África.

Então não surpreende que o governo da Guiné, primeiro sob Lansana Conte, o homem forte que governou por 24 anos até sua morte no ano passado, e a junta militar que o substituiu, quisessem tirar partido do caixa e da especialização em construção da China.

A estratégia chinesa para garantir os minerais da África tem sido assinar acordos para a construção de grandes projetos em troca dos minerais. Em Angola, esse tipo de acordo garantiu à China acesso ao petróleo no segundo maior produtor da África, que agora prospera depois de sair em frangalhos e quebrado da guerra civil que durou décadas. Os altos funcionários chineses e angolanos alardearam essa parceria como um modelo para os investimentos chineses no continente, um relacionamento que beneficia os dois países.

Mas essa formulação mostrou-se problemática num ambiente de declínio econômico. Os governos africanos estão agora percebendo que esses acordos são, em essência, empréstimos contra a receita futura, e a queda dos preços pode deixá-los sobrecarregados com pilhas gigantes de dívida.

É isso que parece ter ocorrido no Congo. Pelo preços vigentes, o Congo teria dificuldade de cumprir as rigorosas metas de produção do contrato chinês, disse Patricia Feeney, diretora-executiva da Rights and Accountability in Development, grupo de defesa dos direitos humanos e responsabilidade corporativa sediado na Grã-Bretanha.

"Os congoleses elevaram tanto as expectativas que podem confiar na China e dar as costas aos doadores ocidentais, e no processo eles provavelmente afastaram as pessoas que estavam dispostas a ajudar", disse Feeney.

Na Guiné, a China retirou-se do que os altos funcionários guineanos descreviam como um acordo feito para construir uma necessária represa hidrelétrica de US$ 1 bilhão. "A represa não é um presente; é um investimento", disse Huo, o embaixador chinês. "É isso que benfício mútuo significa".

Os guineanos suspeitam cada vez dos investimentos chineses. Muitas pessoas veem as empresas chinesas como tão exploradoras quanto as ocidentais, se não mais. Depois que os militares tomaram o poder em dezembro, invadiram a sede de empresas chinesas suspeitas de vender medicamentos falsificados, mas as batidas degeneraram em saques abertos de empresas chinesas, expondo uma veia de ressentimento há muito reprimida.

Hamidou Conde trabalha sem camisa sob um sol implacável, cavando um buraco para a fundação de um novo hospital que está sendo construído por uma empresa chinesa, como mais um simbolo da amizade chinesa-guineana.

Conde, de 35 anos, que tem duas esposas e quatro filhos, disse que tem cavado no terreno rochoso com uma pá, uma picareta e um machado por dois meses, mas ainda não recebeu nenhum pagamento de seus supervisores chineses.

"Nós trabalhamos como escravos", disse Conde. "E como escravos não somos pagos. Os chineses não trazem nada de bom para a Guiné".

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 12)(Lydia Polgreen The New York Times)