Título: Crise coloca paraísos fiscais na berlinda
Autor: Filgueiras,Maria Luíza
Fonte: Gazeta Mercantil, 08/04/2009, Finanças, p. B2

São Paulo, 8 de Abril de 2009 - A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) limpou ontem sua lista negra de países considerados paraísos fiscais que não se propõem a adotar uma política internacional de ajuda mútua e troca de informações confidenciais. Uruguai, Costa Rica, Filipinas e Malásia foram apresentados em relatório na reunião do G20, na semana passada, como oponentes da batalha pela transparência no sistema financeiro global - e os países se viram pressionados a rapidamente assinar o acordo da organização.

"Comunicamos na última quinta-feira ao G20 que quatro jurisdições não estavam aplicando os padrões da OCDE e que também não se comprometeram a fazê-lo, mas agora demos um grande passo para essa cooperação", afirmou Angel Gurria, secretário-geral da organização, em webconferência promovida ontem. Ele destacou, entretanto, que este é o primeiro e mais simples passo - o segundo, que diz respeito a alterações legislativas e técnicas, dará mais trabalho.

"A era do sigilo bancário acabou e a troca de informações com o padrão da OCDE será regra geral", disse László Kóvacs, comissário da União Europeia. A instituição foi criticada por retirar rapidamente da lista cinza Hong Kong e Macau, o que foi relacionado à pressão asiática e seu avanço no Fundo Monetário Internacional (FMI).

A movimentação dos paraísos fiscais é uma resposta ao comunicado do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, de que os países membros do G20 concordaram em penalizar paraísos fiscais que se neguem a colaborar na identificação de transações financeiras ilegais. O entendimento é que esses destinos ajudaram a agravar a crise - já que abrigou o capital especulativo e protegeu seus originadores - e também que os recursos desviados viriam a calhar num momento de falta de liquidez.

"O fato de não ter transparência em relação aos depósitos torna os paraísos fiscais alternativa para a fuga de capital que poderia estar sendo utilizado internamente para investimentos. Os bancos precisam de liquidez, os países precisam de investimentos, e a manutenção dos paraísos pode dificultar esse processo", ressalta Otto Nogami, economista do Ibmec-SP. "Um bom exemplo dessa fuga é Liechtenstein, que há dois anos tinha 24 mil habitantes e 30 mil empresas."

Conforme levantamento do The Boston Consulting Group (BCG), os depósitos em contas de paraísos fiscais somam US$ 7,3 trilhões. O maior centro off-shore continua sendo a Suíça, com 27% do volume financeiro, equivalente a US$ 2 trilhões. Na estimativa do Tesouro dos Estados Unidos, o país perde US$ 100 bilhões por ano em tributos não recolhidos das divisas alocadas em paraísos fiscais.

O Brasil também quer entrar na batalha. Antes da reunião do G20, o porta-voz da Presidência da República, Marcelo Baumbach, afirmou que o País apresentaria uma proposta para o fim desses destinos - já que o presidente Lula considera que são "uma maneira de escapar à regulação do sistema financeiro internacional e, portanto, devem ser eliminados". Entretanto, não se sabe qual foi exatamente a sugestão brasileira e principalmente a ação efetiva do País neste sentido.

Apesar do posicionamento do governo brasileiro, ainda não há um novo procedimento para apertar o controle - em consenso ou isoladamente entre os agentes. O principal deles, a Receita Federal, diz que só se manifesta oficialmente após publicação de algum ato institucional, como lei ou decreto. Para especialistas, não dá para o País simplesmente fechar as portas para esse recursos, já que as Ilhas Cayman, por exemplo, estão no topo do ranking de investimentos estrangeiros diretos no País. "Trancaria a fluidez de capital", diz Nogami.

A definição brasileira de paraísos fiscais são países ou dependências que não tributam renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% ou, ainda, cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou a sua titularidade. A lista da Receita foi elaborada em 2002, com 53 paraísos fiscais, mas há expectativa de uma atualização da lista - que segundo advogados especializados deve incluir, por exemplo, o Uruguai.

A Receita afirma que ainda não há uma nova lista e não informa sobre previsão de publicação. A expectativa do mercado sobre a divulgação está no fato de que a lei 11.727, em vigor desde janeiro, aumenta a taxação sobre transações de empresas brasileiras com companhias sediadas em paraísos fiscais - por isso, alguns escritórios de advocacia têm feito avaliações caso a caso para que as empresas clientes não sejam surpreendidas com a nova lista. A ideia da norma é desestimular a transação na origem.

Para Manuel Enriquez Garcia, economista, advogado e professor de Direito Econômico da Universidade de São Paulo (USP), entrar na guerra contra paraísos fiscais, para o Brasil, significa alterar a lei 4.131. "A lei brasileira que rege remessas para o exterior é de 1962, em vigor até hoje, e define que só pode sair do País a divisa que entrou. Isso tornou os paraísos fiscais, que os bancos brasileiros inclusive utilizam, importantes para a movimentação da moeda estrangeira", explica Garcia.

O consenso é que as medidas, nos cenários doméstico e internacional, serão gradativas - mas contínuas. Por isso, para o BCG, a tendência é que, justamente para manter sua confiabilidade, os bancos privados de paraísos fiscais revejam seus posicionamentos estratégicos, focando cada vez mais as atividade de private bank, gestão de fortunas, aplicações e serviços.

(Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 3)(Maria Luíza Filgueiras)