Título: Preparem-se que a CPMF vem aí
Autor: Montone, Januario
Fonte: Correio Braziliense, 25/03/2011, Opinião, p. 19

Secretário municipal da Saúde de São Paulo, foi diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). É autor de Planos de saúde, passado e futuro

São tantos os desmentidos e tão evidente a coreografia que é só uma questão de tempo até que a CPMF ressuscite, seja com que nome for, até porque há motivação política suficiente e base objetiva para que isso ocorra.

A pressão política vem principalmente dos estados e municípios, que vêm aumentando seus gastos enquanto o governo federal faz o caminho inverso. Mesmo com a CPMF, a participação da União no financiamento do SUS caiu de 60% em 2000 para 46% em 2008. A dos estados cresceu de 19% para 24% e a dos municípios, de 22% para 29%. A maioria dos municípios de médio e grande porte destina mais que os 15% fixados pela Constituição a partir da Emenda 29. São Paulo atingiu 19,2% (R$ 4 bilhões) em 2010.

A maioria das ações de saúde do SUS é executada pelos estados e municípios, diretamente ou por serviços conveniados e contratados. São as redes estaduais e municipais que atendem diretamente a população e sofrem a pressão da demanda. A posição do Ministério da Saúde é, de certa forma, mais confortável. Paga pelos serviços hospitalares e da média e alta complexidade em valores que estão longe de cobrir os seus custos e em quantidades limitadas. Não são pagas as internações que ultrapassem o limite autorizado, por exemplo. O Ministério tem os poderes de regulação e fiscalização, independente de estar ou não repassando recursos suficientes. Fixa metas e indicadores e cobra seu cumprimento. Os responsáveis pela execução que se expliquem.

A base objetiva do processo é que a saúde precisa de fato de mais recursos. O valor per capita disponível para o SUS é menos da metade do valor per capita dos planos de saúde. A média dos gastos públicos de outros países com sistemas universais de saúde é superior 6,5% do PIB e nós sequer atingimos 4%. Pior: ironicamente, os gastos públicos são menores que os gastos privados.

Se existe base política e base objetiva, é melhor começarmos a discutir como deveria ser uma nova CPMF e que outras ações seriam necessárias para efetivamente melhorar o SUS.

É evidente que o SUS precisa de mais gestão. Do contrário, os recursos adicionais seriam quase um desperdício, mas isso não pode ser transformado num falso dilema do tipo ¿mais recursos ou mais gestão¿. Ou, pior ainda, ¿primeiro mais recursos ou primeiro mais gestão?¿ Aumentar os recursos financeiros e modernizar a gestão do SUS são movimentos simultâneos, indissociáveis.

Também é preciso superar outro falso dilema, que é relação do SUS com a saúde suplementar e os provedores privados de serviços de saúde. Falso dilema, porque o SUS é o nosso sistema nacional de saúde e obrigatoriamente inclui o setor de saúde suplementar. Falso dilema, porque nenhum dos dois produz todos os serviços que prestam aos usuários, que são todos os brasileiros para o SUS e 45 milhões para a saúde suplementar. Ambos compram a maioria dos serviços de provedores privados como hospitais, clínicas e laboratórios, com ou sem fins lucrativos.

Esse é o mundo real e o mundo institucional do SUS, claramente definido como um sistema público, mas não obrigatoriamente estatal, pois a Constituição admite a participação da iniciativa privada na prestação de serviços de saúde.

Preventivamente proponho uma agenda mínima para esse cenário:

a) Regulamentar a Emenda 29 , definindo os gastos em saúde e as punições pelo não cumprimento dos percentuais de vinculação, mantidos para estados (12%) e municípios (15%) e fixando os da União em 10%.

b) Impedir que uma nova CPMF seja, de novo, apenas mais uma receita federal. Ela deve ser destinada às ações de saúde da União, estados e municípios e repartida na fonte, na proporção de 50%, 25% e 25%, respectivamente.

c) Rever o modelo de governança e de gestão do SUS, fortalecendo e regulamentando as parcerias com organizações sociais, fundações estatais, consórcios intermunicipais e outros instrumentos de modernização da gestão.

d) Integrar definitivamente o setor de saúde suplementar ao SUS, estabelecendo diretrizes de expansão, integração estratégica e operacional das redes de assistência e instrumentos mais ágeis de ressarcimento ou compensação.

O objetivo dessa agenda é contribuir para que parte da imensa energia política e social envolvida no processo de criação de uma nova CPMF seja usada na busca de soluções para os reais problemas do SUS e não só para o financiamento inadequado, que é um imenso problema, mas está longe de ser o único.