Título: Reformas na Síria
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Fonte: Correio Braziliense, 25/03/2011, Mundo, p. 21

Após dias de violenta repressão à onda de revoltas que tomou as ruas de Deraa, o governo sírio sinalizou com uma promessa de reformas no país, inclusive a de suspender o estado de emergência, em vigor desde 1963. Ativistas de direitos humanos responsabilizaram o regime por promover um banho de sangue na cidade, na quarta-feira. Dados oficiais apontam que pelo menos 37 pessoas foram mortas quando forças governamentais abriram fogo contra manifestantes, próximo à mesquita Al-Omari. Testemunhas garantem que o número é bem maior e passa de 100. Também ontem, cerca de 20 mil saíram às ruas para o funeral das vítimas do dia anterior, que acabou se transformando em uma marcha por liberdade, em meio a um forte aparato militar.

A promessa de reforma foi anunciada pela conselheira presidencial Buthaina Shaaban. Segundo ela, entre as mudanças, o governo cogita legalizar partidos políticos e adotar medidas para melhor o nível de vida da população. Um decreto foi assinado concedendo um aumento salarial imediato de até 30% para o funcionalismo. ¿Os salários inferiores a US$ 200 terão um reajuste de 30% e os de US$ 200 ou mais, de 20%¿, segundo decreto divulgado pela agência oficial de notícias Sana.

Para o analista internacional da Escola de Relações Internacionais da Universidade St. Andrews (Escócia), Frederic Volpi, os recentes episódios na república árabe são um desafio completamente novo para o regime. ¿Até agora, o regime sírio tinha conseguido suprimir os protestos políticos antes de eles ganharem tamanha dimensão¿, afirmou o especialista em Síria, em entrevista ao Correio. ¿Agora, ele terá de lidar com um número cada vez maior de pessoas protestando.¿

Militantes dos direitos humanos informaram ontem que a polícia teria matado pelo menos 100 pessoas durante a manifestação de quarta-feira em Deraa (sul). ¿Com certeza, há mais de 100 mortos e a cidade precisa de uma semana para enterrar seus mártires¿, declarou à France-Presse o miliante Ayman Al-Aswad, que garantiu que as forças de segurança teriam utilizado balas reais contra os manifestantes.

No campo diplomático, o presidente sírio, Bashar Al-Assad, que herdou o poder após a morte do pai, Hafiz Al-Assad, em 2000, viu-se pressionado pelos Estados Unidos e por Israel, com quem mantém um histórico impasse sobre as Colinas de Golã desde a Guerra dos Seis Dias (1967). Os ministros de Defesa norte-americano, Robert Gates, e israelense, Ehud Barak, instaram Al-Assad a ¿deixar o poder de forma pacífica¿. Aliado do Irã, o presidente tem rejeitado demandas crescentes por reformas na Síria. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), a pobreza afeta 14% da população síria, e o desemprego, 20% da camada economicamente ativa.

A matança de manifestantes em Deraa foi condenada internacionalmente. Em um comunicado oficial, o governo da Espanha criticou ¿o uso da violência, da intimidação e das prisões arbitrárias de cidadãos¿. O texto faz um ¿chamado para que se respeite o direito legítimo dos manifestantes que expõem suas reivindicações de maneira pacífica e para que se inicie um diálogo com aqueles que pedem por reformas no país¿. O governo alemão pediu que o regime sírio ¿ponha fim à violência contra os civis¿. Berlim, assim como Londres e Paris, instaram Damasco a empreender reformas ¿para abraçar a democracia¿.

O que muda no país Algumas das mudanças prometidas por Damasco:

» Aumento de salário imediato de até 30% para o funcionalismo » Fornecimento de recursos para jovens desempregados » Melhora no sistema de tomada de decisões do governo » Início de um ¿mecanismo eficaz contra a corrupção¿ » Estudo sobre o fim da lei sobre estado de emergência (em vigor desde 1963, proíbe manifestações) » Preparo de um esboço de lei sobre partidos políticos » Elaboração de uma nova lei de imprensa para mais ¿transparência e liberdade¿