Título: França se antecipa à Otan
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Fonte: Correio Braziliense, 25/03/2011, Mundo, p. 21

A França tomou a iniciativa de disparar os primeiros mísseis contra a Líbia e adotou uma posição de liderança na Operação Odisseia ao Amanhecer. Ontem, antes mesmo de a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) assumir o comando da ofensiva, o governo francês tornou-se o primeiro a admitir o real propósito da ação militar: derrubar Muamar Kadafi. ¿Estou convencido de que em Trípoli algumas pessoas começam a se fazer perguntas. Será possível continuar com um ditador louco, para não usar um termo mais excessivo?¿, questionou Alain Juppé, ministro das Relações Exteriores da França.

O chanceler afirmou que seu país já planeja o cenário de uma Líbia sem Kadafi. ¿Temos que identificar quais personalidades (políticas) estão disponíveis¿, disse ele, ao referir-se sobre o envolvimento da oposição no processo sucessório. Juppé foi categórico ao garantir que o coronel não terá qualquer papel no futuro do país e assegurou que a intervenção militar será finalizada ¿em questão de dias ou semanas, mas não em meses¿. O ministro também lembrou que o opositor Conselho Nacional Transitório (CNT), sediado em Benghazi, não possui o monopólio da representação dos insurgentes líbios.

Pouco depois, um pedido feito pelo vice-almirante Bill Gortney, diretor do Estado-Maior Conjunto norte-americano, sinaliza que Washington parece alinhado a Paris no objetivo da ofensiva. ¿Nossa mensagem é simples: parem de lutar, deixem de matar sua própria gente, deixem de obedecer às ordens do coronel Kadafi¿, aconselhou aos militares da Líbia, durante reunião no Pentágono. A caminho de Benghazi, Mourad Hemayma ¿ porta-voz do CNT no Cairo ¿ afirmou ao Correio que vê com naturalidade as articulações políticas para a era pós-Kadafi. ¿A meta real dessa operação militar é fazer com que Kadafi renuncie. É um fim natural¿, comentou. ¿Depois que o regime for derrotado e quando houver uma nova Líbia, nós teremos uma nova Assembleia Nacional, incumbida de redigir a Constituição. Então, teremos eleições para o Parlamento e para presidente¿, acrescentou.

Aaron David Miller, analista do think tank Woodrow Wilson Center (em Washington), concorda com Hemayma. ¿Ainda que o objetivo declarado da intervenção na Líbia seja a proteção dos civis, o não declarado é a destituição de Kadafi, seja por meio de uma derrota militar ou de uma negociação que leve a um exílio forçado¿, sustentou. Segundo ele, a busca de um resultado positivo e sustentável desse processo exige o planejamento para uma Líbia pós-Kadafi. ¿O problema é que sabemos muito pouco sobre os rebeldes. Quando a ação militar se encerrar, estaremos na posição de determinar a política do país¿, observou. Ele descarta que a inclinação da França à derrubada de Kadafi fragilize a coalizão internacional. ¿Todos os participantes da Operação Odisseia ao Amanhecer estão pensando em uma Líbia sem o coronel (Kadafi), incluindo os países árabes¿, disse Miller.

No sexto dia da ofensiva, um acordo de princípios firmado entre os chanceleres Ahmet Davutoglu (Turquia), Hillary Clinton (EUA), Alain Juppé (França) e William Hague (Reino Unido) determinou que a Otan assumirá toda a ofensiva na Líbia. ¿A coalizão formada depois do encontro em Paris deixará a missão o mais rápido possível e entregará toda a operação para a Otan, em uma só estrutura de comando¿, anunciou Davutoglu, segundo a agência de notícias Anatólia. Na noite de quarta-feira, o Parlamento turco aprovou a participação de cinco navios e um submarino no Mediterrâneo ¿ as embarcações terão a função de fiscalizar o cumprimento do embargo de armas imposto à Líbia. Pelo menos 350 aviões participam das incursões aéreas no país, mais da metade são norte-americanos. Os aliados também concordaram em refoçrçar a zona de exclusão aérea.

Campo de batalha As bombas da coalizão têm se mostrado incapazes de deter as tropas de Kadafi. Ontem, caças Rafale franceses lançaram um míssil AASM ar-terra e destruíram uma aeronave militar líbia que tinha acabado de aterrissar na base aérea de Misrata. A cidade, situada 200km a leste de Trípoli, continua sob intenso assédio das forças do regime. Um médico do Hospital Central de Misrata contou à agência France-Presse que os milicianos pró-Kadafi mataram 109 pessoas e feriram mais de 1,3 mil. ¿Hoje (ontem), quatro mártires caíram pelos disparos de franco-atiradores¿, informou. O porta-voz da insurgência disse que 30 franco-atiradores foram eliminados, enquanto a coluna de rebeldes tentava alcançar o centro. Do outro lado da batalha, o porta-voz do governo líbio, Mussa Ibrahim, garantiu que 100 civis foram mortos pela coalizão.

As forças estrangeiras voltaram a atacar Trípoli, onde explosões e disparos de artilharia foram ouvidos. Sirte, a cidade natal de Kadafi, e Sebha, reduto da tribo Guededfa (da qual o ditador faz parte), também foram alvos das bombas da coalizão. Mourad Hemayma relatou que os aliados bombardearam ontem Tajoura e Ajdabyia. ¿Em Ajdabyia, os soldados de Kadafi estão negociando uma rendição ou uma retirada pacífica¿, contou.

Cruz Vermelha exige acesso a feridos O Comitê Internacional da Cruz Vermelha exigiu que os combatentes na Líbia autorizem o acesso das equipes de ajuda humanitária aos feridos e aos civis que precisam de ajuda urgente. ¿Não há pausa para os civis que vivem nas áreas de combate na Líbia. Além dos ataques aéreos das forças internacionais, violentos confrontos são registrados entre as forças do governo e a oposição armada¿, explica o CICV, por meio de um comunicado. ¿É motivo de grande preocupação para nós. Recebemos informações alarmantes de cidades como Ajdabiya e Misrata, onde os combates são fortes há semanas¿, acrescentou.