Título: Com estoques baixos, China compra mais do Brasil
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Fonte: Gazeta Mercantil, 13/04/2009, Brasil, p. A4

Brasília, 13 de Abril de 2009 - A crise econômica global poderá provocar uma mudança no perfil do comércio internacional brasileiro este ano. Especialistas do setor admitem que o crescimento chinês poderá fazer o comércio com o gigante asiático superar o praticado com os Estados Unidos, destronando a sua histórica liderança. No entanto, analistas consideram que essa mudança depende da capacidade norte-americana de reativar a sua economia. Os primeiros sinais já apareceram. O Brasil registrou um déficit comercial de US$ 1,8 bilhão com os Estados Unidos no primeiro trimestre deste ano. É o inverso do que ocorreu em igual período do ano passado, quando houve superávit de US$ 4,8 bilhões. Paralelamente mudou também o perfil do intercâmbio com a China. Houve déficit de US$ 221 milhões no primeiro trimestre com o país asiático, dez vezes menor do que o déficit de US$ 2 bilhões registrado em igual período do ano.

Nos últimos anos, o ranking dos principais mercados para as exportações brasileiras é liderado pelos Estados Unidos, com Argentina e China na sequência dessa lista. Em 2008, os Estados Unidos compraram US$ 27,6 bilhões do Brasil, a Argentina ficou em segundo lugar, com US$ 17,6 bilhões e a China em terceiro, com US$ 16,4 bilhões. Março inverteu essa lógica, quando a China tornou-se o principal destino das exportações brasileiras, respondendo por compras de US$ 1,7 bilhão, seguido dos Estados Unidos, com US$ 1,3 bilhão. No trimestre, os Estados Unidos ainda lideram, com US$ 3,6 bilhões de compras de produtos brasileiros, com a China em segundo lugar, com US$ 3,4 bilhões, destaca o secretário-adjunto da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic), Fábio Faria. Na corrente de comércio (soma de exportações e importações), os Estados Unidos lideram no trimestre, com US$ 9 bilhões, seguidos pela China, com US$ 7 milhões.

Para o executivo do Mdic, março representou uma "excepcionalidade", por ser período em que sazonalmente aumentam as exportações de produtos agrícolas brasileiros, devido à colheita da safra. Mas Faria ressaltou que os resultados de março não podem ser considerados como uma tendência. "Houve também retomada dos embarques de minério de ferro para a China", ressaltou o secretário-adjunto da Secex. Ou seja, o recente fortalecimento do comércio com o mercado chinês está alicerçado nas exportações de commodities. Para Faria, há indicativos de que a China está recompondo estoques e precisa de matéria-prima, setor no qual o Brasil mantém-se competitivo globalmente.

"Não diria que 2009 será o ano das exportações de produtos básicos, mas a perspectiva é que os manufaturados serão mais afetados", disse Faria. Dados da Secex mostram que do total de exportações brasileiras para o mercado norte-americano, 59% são produtos manufaturados, enquanto que somente 23% são de produtos básicos. Já para a Ásia, 64% das exportações são de básicos e apenas 14% envolvem manufaturados. E os manufaturados foram os que mais sofreram com a crise, ressalta Teixeira.

Mas se a China ocupar a liderança nas relações comerciais com o Brasil ainda este ano, a culpa será, sim, da crise econômica mundial. Isso porque enquanto os Estados Unidos seguem com a economia ainda doente, a China terá um crescimento do seu Produto Interno Bruto (PIB) em cerca de 6%, explica o presidente da Agência Brasileira de Promoção das Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), Alessandro Teixeira. Na avaliação de Teixeira, a China poderá seguir comprando, enquanto que os Estados Unidos estão sem dinheiro. "Existe um efeito momentâneo, mas que não pode ser considerado sazonal", explica o presidente da Apex. O executivo reconhece que a queda nas importações de produtos brasileiros pelos Estados Unidos é preocupante, mas não representa uma ação voltada exclusivamente para o Brasil. "Eles pararam de comprar de todo o mundo, não apenas de nós", diz Teixeira.

Quanto ao déficit nas relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos neste começo de ano, o presidente da Apex avalia que trata-se de "uma situação conjuntural". Teixeira destaca que o setor produtivo brasileiro tem forte complementaridade com os norte-americanos, de onde chegam itens como componentes para indústria automobilística nacional, eletroeletrônicos e telefonia. "E a China não substitui esses tipos de produtos no curto prazo", alerta.

A economia brasileira não pode prescindir de produtos norte-americanos, o que justifica a manutenção do ritmo de importações brasileiras e os Estados Unidos, em momento de austeridade, reduziram as compras de produtos de maior valor agregado do Brasil. Mas uma recuperação da dinâmica da economia norte-americana é considerada inevitável e, quando chegar momento, os Estados Unidos devem voltar a intensificar o comércio exterior, inclusive com o Brasil, tradicional parceiro, concordam Teixeira e Faria. O presidente da Apex acredita que essa recuperação dos Estados Unidos ocorrerá a partir do segundo semestre. "Não temos que abandonar nenhum mercado", adverte o ex-ministro da Agricultura Marcus Vinícius Pratini de Moraes. O ex-ministro disse que Estados Unidos e Inglaterra são os principais atingidos com a crise financeira mas que, passada a turbulência, voltarão a comprar.

O aumento da importância da China nas relações comerciais com o Brasil não é fruto da crise mundial, mas representa uma movimentação anterior, refletindo os expressivos índices de crescimento econômico chinês acumulados nos últimos anos, adverte o secretário-adjunto da Secex, Fábio Faria. No ano passado, o PIB da China cresceu cerca de 10% e segue com fôlego em 2009. "Um país que experimentou esse crescimento ocupa espaço de todo mundo, e nos últimos dez anos foi o que aconteceu com a China. Essa tendência não é de agora, mas vem de longe", diz Faria.

Os chineses abocanharam gradualmente fatias que eram de outros países no fluxo mundial do comércio. "A China tornou-se fornecedores mundial de componentes eletrônicos, têxteis, calçados populares", afirma Faria. Com o Brasil, a China ampliou sua corrente de comércio de US$ 2,3 bilhões, no ano 2000; para US$ 36,4 bilhões, no ano passado. É um salto de aproximadamente 1.500%. Já a corrente de comércio entre Brasil e Estados Unidos aumentou de US$ 26,4 bilhões para US$ 53,4 bilhões no período analisado, aumento de mais de 100%.

Faria destacou que eventuais oscilações no ranking dos parceiros comerciais do Brasil motivam preocupações excessivas, pois o País tem alto grau de pulverização tanto em relação a destinos como quanto à pauta de produtos negociados. Os Estados Unidos, no ano passado, absorveram 14% das exportações brasileiras. "No Canadá, esse índice é de 85%", destaca o executivo da Secex.

Para este ano, o superávit comercial brasileiro deverá ser de US$ 16 bilhões em 2009, conforme projeção feita pelo Banco Central. É uma retração de mais de 43% na comparação com o saldo positivo de US$ 28,3 bilhões registrado no ano passado. Mas há previsão também por retração na corrente de comércio, a qual deve atingir US$ 299 bilhões este ano, frente US$ 371 bilhões, no ano passado.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 4)(Ayr Aliski)