Título: Satiagraha foi uma missão presidencial, diz Protógenes
Autor: Quadros,Vasconcelo
Fonte: Gazeta Mercantil, 14/04/2009, Brasil, p. A13

Brasília, 14 de Abril de 2009 - O delegado federal Protógenes Queiroz transita pelo país como um franco atirador que não escolhe alvo para mirar e disparar. Na semana passada, pressionado pelos deputados da CPI dos Grampos, mas protegido por um habeas corpus, o delegado não respondeu nenhuma pergunta que soava impertinente. Mas decidiu abrir o jogo numa entrevista a este jornal, revelando o que não quis contar aos deputados.

"A Operação Satiagraha foi, sim, uma missão presidencial", diz ele. Protógenes ouviu de seu antigo chefe, o delegado Paulo Lacerda, ex-diretor da Polícia Federal e ex-diretor da Abin, hoje Adido Policial em Portugal, que a investigação em torno do banqueiro Daniel Dantas era do interesse do Palácio do Planalto, ou seja, tinha, sim, segundo ele, o crivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A razão era lógica: não satisfeito em espionar todo o primeiro escalão do governo, o banqueiro ainda distribuiu à revista Veja um dossiê, publicado em maio de 2006, onde insinuava que o presidente e três ex-ministros (Luiz Gushiken, Márcio Thomaz Bastos e Antônio Palocci, além de Lacerda e o senador Romeu Tuma (PTB-SP) eram titulares de contas secretas em paraísos fiscais.

Além disso, teria orientado seus assessores a negociar com o filho de Lula, Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha (o caso Gamecorp), numa atitude que o Planalto interpretou como cooptação para constranger o presidente. Dantas também contratou e passou a fazer negócios com personagens que estavam no coração do partido do governo, o PT, entre os quais, o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh e o ex-ministro José Dirceu. No entendimento das autoridades que cuidam da segurança, a intenção do banqueiro era mostrar seu poder de força e pressionar o governo para levar vantagem na guerra pelo controle das teles. Acabou ofendendo o mais importante símbolo da República, a figura do presidente.

"É só prestar atenção na estrutura que colocaram à minha disposição na época em que as investigações ganharam força", lembra o delegado. A história da espionagem começou em 1994, foi repassada à Veja em 2005 e publicada em 2006. Era, na verdade, uma fraude. O banqueiro contratou a empresa Kroll para investigar, mas caiu na armadilha dos adversários e mandou para a frente uma falsa denúncia. A revista rompeu o off e revelou que foi Dantas quem entregou o dossiê.

Para desvendar a rede de Dantas, Protógenes diz que chegou a contar com 26 policiais federais especializados em investigação financeira, dois peritos, 10 viaturas caracterizadas, três carros blindados e os recursos financeiros necessários para dar cabo à investigação. "Por que me dariam essa estrutura se não houvesse o interesse do governo? Foi a maior operação da história da Polícia Federal. O que até hoje eu não consegui entender é porque as coisa mudaram de uma hora para outra. As investigações se voltaram contra os policiais que investigavam o caso", reclama o delegado. Federais e agentes da Abin - cuja missão é servir o gabinete do presidente - encararam a Satiagraha como razões de Estado. O cenário mudou, segundo ele, a partir de setembro de 2007, quando Lacerda deixou a PF.

"Em agosto de 2007 perguntei ao doutor Paulo se permaneceria no cargo e ele me garantiu que sim. Logo depois caiu. Fiquei sozinho", afirma. O delegado diz que a saída de Lacerda coincidiu também com uma mudança de postura do governo, que deixou de se interessar pelas atividades criminosas do banqueiro quase ao mesmo tempo em que mudava a lei e se abriam as torneiras do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para garantir a fusão da Brasil Telecom com a OI - operação que tirou Dantas do comando da empresa, mas engordou o Opportunity com mais de US$ 1 bilhão.

O delegado disse ter pego o ex-ministro José Dirceu num grampo prometendo ao dono da OI, o mexicano Carlos Slim - um dos homens mais ricos do mundo -, que ajudaria ele a viabilizar "o grande negócio do século". Na avaliação da PF, tratava-se da fusão das teles.- Zé Dirceu chama Carlos Slim de Dom Carlos, revela.

Em outubro de 2007, Lacerda assumiu a direção da Abin e, diante das reclamações de Protógenes sobre a falta de apoio na PF, decidiu bancar toda a Operação Satiagraha. "Ele (Lacerda) colocou à minha disposição todos os recursos que a Abin tinha. Conversávamos todos os dias e ele estava a par de tudo - conta Protógenes, que hoje se diz profundamente decepcionado com seu antigo chefe."

O problema, segundo ele, é que assim que veio à tona a real participação da Abin na Satiagraha, Lacerda tratou a operação como uma espécie de filho bastardo: em vez de assumir sua participação, adotou um comportamento dúbio, enquanto a CPI do Grampo e a Polícia Federal aproveitavam para acertar Protógenes e desgastar o próprio Lacerda."Depois veio essa história de aceitar o acordo político", cutuca Protógenes, ao se referir à nomeação como Adido, num momento em Lacerda jurava que, para limpar seu nome e reparar o injusto afastamento da Abin, aguardaria as investigações da Polícia Federal sobre o até hoje não comprovado grampo nos telefones do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). "Foi vergonhoso", diz Protógenes que, se ainda não anunciou o rompimento definitivo com Lacerda, está cada vez mais distante do antigo chefe.

Os dois se encontravam pela última vez há cerca de um mês, quando Lacerda já estava de malas prontas com passagens compradas para Lisboa. "Ele me recebeu por apenas 15 minutos e fez questão de encerrar logo a conversa. Parecia angustiado e triste por deixar o país", conta Protógenes.

Integrantes do mesmo grupo que dominou durante cinco anos a PF (2003 a 2007), Lacerda e Protógenes se enrolaram na mesma teia em que tentaram aprisionar o banqueiro. Protógenes deixou a operação vazar para a TV Globo e cometeu uma série de trapalhadas, entre elas o patrulhamento de jornalistas que cobriam o mercado e, por força das circunstâncias, conversavam com Dantas e os executivos do Opportunity. Fez um relatório caótico, com delirantes acusações e, sem que até hoje tenha apresentado publicamente qualquer indício, chegou a pedir a prisão de uma repórter. Hoje o delegado flerta com o PSOL e com o PDT para sair candidato a deputado.

Mesmo afastado das investigações, Protógenes sustenta que os dados existentes nos 12 HDs enviados pela PF para serem descriptografados na Central de Inteligência Americana (CIA), nos Estados Unidos, abrirão uma nova frente na Satiagraha. Segundo ele, Dantas codificou informações que tratam de distribuição de propina a deputados e senadores e ainda sobre os negócios do Opportunity em áreas governamentais que vão do sistema de telefonia a projetos de exploração mineral."Ele tem interesses sobre 168 projetos em andamento no governo", adianta Protógenes.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 13)(Vasconcelo Quadros)