Título: Brasileiros não poderão voltar ao Japão
Autor: Tabuchi,Hiroko
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/04/2009, Brasil, p. A6

24 de Abril de 2009 - Rita Yamaoka, com três filhos e recentemente desempregada, enfrenta uma decisão de cortar o coração. O governo japonês propôs pagar milhares de dólares para transportar sua família de volta para casa no Brasil. Mas se ela aceitar o dinheiro, Yamaoka e seu marido, Sérgio - brasileiro de descendência japonesa - devem concordar em não procurar trabalho no Japão novamente.

A oferta de repatriação faz parte da nova orientação para incentivar o considerável grupo de trabalhadores fabris latino-americanos do Japão a deixar o país arruinado pela recessão.

"Eu digo para meu marido que devemos aceitar o dinheiro e voltar", disse Yamaoka, de 36 anos, com olhos marejados depois de uma reunião na prefeitura, onde as autoridades locais expuseram os termos do programa. "Não temos condições de permanecer aqui por mais tempo", afirma. "Sinto grande estresse. Tenho chorado com frequência".

Yamaoka e sua família estabeleceram-se na cidade industrial de Hamamatsu, na região central do Japão, há três anos, no auge do boom de exportação japonesa. Mas nos últimos meses, ela e seu marido perderam seus empregos na fábrica de automóveis local.

O casal ainda não decidiu se deixará o país. Mas pelo menos 100 trabalhadores latino-americanos aceitaram sair do Japão sabendo que não mais poderão voltar, segundo as autoridades japonesas.

Os críticos denunciam o programa como míope e desumano, e uma ameaça para o pouco de progresso que o Japão produziu na abertura da economia para os trabalhadores estrangeiros.

"É uma desgraça. É um programa insensível", disse Hidenori Sakanaka, diretor do Instituto de Política Imigratória do Japão. "E o Japão está dando um tiro no próprio pé ...podemos estar em recessão agora, mas está claro que o país não terá futuro sem os trabalhadores estrangeiros".

A proposta de repatriação do Japão está limitada aos trabalhadores convidados da América Latina, cujos pais a avós japoneses imigraram para o Brasil, e para os países vizinhos, há cem anos para trabalhar nas plantações de café.

Em 1990, o Japão - enfrentando cada vez mais escassez de mão de obra industrial - começou a emitir milhares de vistos especiais de trabalho para os descendentes desses imigrantes. Cerca de 366 mil brasileiros e peruanos agora moram no Japão.

Os trabalhadores convidados rapidamente tornaram-se o maior grupo de operários fabris estrangeiros, num país de modo geral avesso à imigração, preenchendo as vagas nos chamados trabalhos três K (kitsui, kitanai, kiken - ou difíceis, sujos e perigosos).

Mas o setor manufatureiro do país entrou em declínio à medida que a demanda por produtos japoneses evapora no mundo inteiro, induzindo eliminações de empregos e elevando a taxa de desemprego para seu maior nível em três anos de 4,4%. O volume de exportações do Japão afundou 46% em março ante igual mês do ano passado, e a produção industrial registra o menor nível em 25 anos.

Então o Japão tem demonstrado muita vontade de ajudar os trabalhadores estrangeiros a voltarem para casa, dessa forma atenuando a pressão sobre os mercados de trabalho nacionais e tirando milhares das listas de desemprego.

"A economia do Japão está debaixo de uma chuva forte. Não surgirão boas oportunidades de emprego por um tempo, então é por isso que sugerimos que os brasileiros nikkeis voltem para casa", disse Jiro Kawasaki, ex-ministro da Saúde e membro do governista Partido Liberal Democrático no Congresso.

"Naturalmente não queremos aquelas mesmas pessoas de volta para o Japão depois de dois meses", disse Kawasaki, que coordenou a força tarefa do partido governista que elaborou o plano de repatriação, parte de uma estratégia de emergência mais ampla para combater a alta do desemprego no Japão. "Então os contribuintes japoneses vão perguntar, `Que tipo de política ridícula é essa?".

Pelo plano de emergência, apresentado este mês, os brasileiros e outros trabalhadores convidados latino-americanos receberão US$ 3 mil para pagamento da passagem aérea, acrescido de US$ 2 mil por dependente - somas atraentes para muitos imigrantes aqui. Os trabalhadores que forem embora foram informados que podem embolsar algum dinheiro.

Mas aqueles que viajarem para casa com dinheiro do Japão não serão autorizados a solicitar novamente vistos especiais de trabalho "Nikkei". Privados dessa posição, a maioria dos trabalhadores nipo-brasileiros que saírem acharão quase impossível voltar a trabalhar aqui pelas leis estritas de imigração do Japão.

O anúncio do plano de pagar as passagens aéreas para os imigrantes saírem do Japão chegou como um choque para muitos no país, especialmente depois que o governo japonês apresentou uma série de medidas, nos últimos meses, para ajudar os estrangeiros desempregados, como cursos gratuítos de língua japonesa, treinamento vocacional e aconselhamento para recolocação. Os trabalhadores convidados têm direito a receber benefícios de desemprego limitados em dinheiro, desde que tenham pago as mensalidades do seguro-desemprego

"É desconcertante", disse Angelo Ishi, professor associado de sociologia da Musashi University, em Tóquio. "O governo japonês deixou anteriormente claro que dão as boas-vindas para os nipo-brasileiros, mas isso é um insulto para a comunidade".

Diante da tempestade de críticas das comunidades de imigrantes aqui, o Japão está preparado para estudar permitir que alguns imigrantes repatriados entrem novamente no país após um período não especificado de tempo, disse Kazuyoshi Matsunaga, um alto funcionário da seção de assuntos consulares do Ministério das Relações Exteriores. Mesmo assim, é incerto se os trabalhadores que saírem serão autorizados a retornar.

O programa chega apesar das advertências de que o país envelhecido necessita de todos os trabalhadores estrangeiros que possa atrair para evitar uma iminente escassez de mão de obra.

A população japonesa tem diminuído desde 2005, e as pessoas com idade para trabalhar podem ser um terço menor antes de 2050. Embora as indústrias estejam demitindo trabalhadores, setores como agricultura e de assistência a idosos ainda lidam com escassez.

Mas Kawasaki, ex-ministro da Saúde, disse que o declínio econômico é uma boa oportunidade para reformar a política imigratória do Japão como um todo.

"Devemos parar de permitir a entrada de trabalhadores não qualificados no Japão. Devemos nos certificar que mesmo os trabalhos três K sejam bem remunerados e ocupados por japoneses", ele disse.

"Não acredito que o Japão deva ser uma sociedade multiétnica", como os Estados Unidos, que "têm sido um fracasso na área de imigração", acrescentou Kawasaki. Esse fracasso, afirma , foi demonstrado pelas extremas desigualdades de renda entre os americanos ricos e os imigrantes pobres.

Na tumultuada reunião na sala de reuniões do município de Hamamatsu, os imigrantes expressaram descrença de que serão impedidos de voltar. Os membros indignados da platéia cercaram as autoridades municipais. Outros abandonaram a sala.

"Vocês estão dizendo que nem mesmo nossos filhos poderão voltar?", gritou um participante.

"Está correto, eles não poderão voltar", respondeu calmamente um alto funcionário municipal do trabalho, Nasahiro Watai.

Claudio Nishimori, de 30 anos, disse que pensava em voltar para o Brasil porque seu turno na fábrica de peças eletrônicas foi recentemente reduzido para três dias por semana. Mas ele sentiu-se ansioso com relação a retornar para um país que deixou há muito tempo.

"Moro no Japão há 13 anos. Não sei que trabalho poderei encontrar quando voltar para o Brasil", comentou. Mas sua esposa está desempregada desde o ano passado e ele não pode mais sustentar sua família..

Outros estão determinados a ir embora. Perto de 1 mil dos habitantes brasileiros de Hamamatsu deixaram a cidade antes de a ajuda ser anunciada. A escola primária brasileira da cidade foi fechada no mês passado.

"Nos suportaram enquanto necessitavam do trabalho", disse Wellington Shibuya, que chegou à cidade industrial há seis anos e perdeu o emprego numa fábrica de fogões em outubro.

"Mas agora que a economia está deteriorada, eles nos jogam um pouco de dinheiro e dizem adeus". Shibuya solicitou recentemente ajuda governamental para a repatriação e marcou a viagem para junho.

"Nós trabalhamos duro, tentamos nos adaptar. Mas eles são tão rápidos em nos chutar para fora", declarou. "Estou feliz de deixar um país como este".

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6)(Hiroko Tabuchi The New York Times)