Título: Ordem do dia no STF era colocar água na fervura
Autor: Carneiro,Luiz Orlando
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/04/2009, Direito Corporativo, p. A11

Brasília, 24 de Abril de 2009 - "Água na fervura" era a ordem do dia no Supremo Tribunal Federal (STF), depois do mais grave entrevero público já ocorrido na história da Corte, promovido pelos ministros Joaquim Barbosa e o presidente Gilmar Mendes na última quarta-feira. A nota aprovada na noite de anteontem, depois de uma reunião de mais de três horas dos oito ministros que estavam no tribunal - presente, como ouvinte, o presidente, e ausente Joaquim Barbosa - foi a "nota possível", de acordo com um dos participantes. O texto - no qual os oito ministros "reafirmam a confiança e o respeito a Gilmar Mendes na sua atuação institucional como presidente do STF, lamentando o episódio ocorrido nesta data" - foi o consenso encontrado para conciliar a insistência de três ministros que defendiam uma "nota dura" e dois que não queriam nota.

Enquanto Gilmar Mendes cumpria sua agenda interna e externa e negava, em declarações a imprensa, a existência de uma "crise institucional" no STF, argumentando que o assunto já estava "superado" e que o importante é reconhecer que o trabalho do STF tem sido "exemplar", Joaquim Barbosa passou o dia de ontem trabalhando no seu gabinete. O ministro Marco Aurélio - que já teve problemas com Barbosa, mas agiu como moderador - afirmou que "nossa tristeza é absoluta". E emendou: "Nós, ministros do STF, temos de manter o autodomínio e muito rígidos os freios inibitórios, levando-se em conta que o tribunal é austero. É inevitável o desgaste (do STF) sempre que ocorrem esses descompassos que não se coadunam com a história do Supremo."

A versão corrente no tribunal era de que a "nota possível" não continha nenhuma censura explícita a Joaquim Barbosa - sobretudo quando ele se referiu, no bate-boca de anteontem, a "capangas" de Gilmar Mendes em Mato Grosso (estado natal do presidente do STF) - porque uma manifestação nesse sentido dos oito ministros poderia animar alguém a pedir o impeachment de Barbosa. Além do mais, o Regimento Interno da Corte não prevê nenhum tipo de censura a seus ministros.

Os ministros Celso de Mello e Ayres Britto chegaram a ir, na noite de anteontem, ao gabinete de Barbosa, e ele teria se comprometido a fazer uma retratação na sessão plenária de ontem - que acabou sendo suspensa - na parte em que falou dos "capangas" de Mendes.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem, em Buenos Aires, que a troca de ofensas entre Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa não representa uma "crise institucional". No entanto, criticou a discussão na frente da imprensa. "Esse tipo de briga, assistida por toda a sociedade brasileira, ajuda a sociedade, a democracia, muito bem. Mas eu creio que, quando temos determinadas funções, é importante que a gente diga tudo o que quiser nos autos do processo e que não se fique dizendo pela imprensa", disse Lula.

Ex-presidente do STF, o ministro aposentado Carlos Velloso, considera que a nota aprovada pelos oito ministros foi "pacificadora". "Não havia outra coisa a se fazer, a não ser apoiar o presidente do Supremo", disse. O também ex-presidente do STF, Maurício Corrêa, ponderou: "Hoje, de fora do STF, faço uma reflexão sobre a conveniência da transmissão ao vivo dos julgamentos do tribunal. É impossível, às vezes, conter os ânimos de alguns temperamentos, sobretudo quando estes não conseguem se controlar. O episódio ocorrido na sessão plenária de ontem poderia ter sido evitado se as transmissões dos julgamentos fossem editadas. O que interessa à sociedade é o teor dos julgamentos. As discussões paralelas deviam ser evitadas."

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) divulgou nota na qual "lamenta a discussão e os ataques pessoais ocorridos durante sessão de julgamento do Supremo". Para a entidade, "a divergência de ideias faz parte dos debates de órgãos colegiados", mas, nesse episódio, as discussões não colaboraram para o aperfeiçoamento da Justiça e não fizeram jus à grandeza daquela Corte ou do próprio Judiciário, que tanta contribuição tem dado à sociedade brasileira".

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, afirmou ser "lamentável que os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, que deveriam dar o exemplo, briguem publicamente, e não compreendam que, ao levar questões pessoais à sessão plenária do STF, deixam vulnerável a instituição".

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 11)(Luiz Orlando Carneiro - Com agências)