Título: Lula quer compromisso dos estados com a Copa
Autor: Lavoratti,Liliana
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/04/2009, Brasil, p. A9

Una (Bahia), 27 de Abril de 2009 - Os contratos entre a Federação Internacional de Futebol (Fifa), governos estaduais e prefeituras das doze capitais escolhidas para sediar os jogos da Copa de 2014 não vão contemplar apenas as rigorosas exigências da entidade. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está conversando com os cartolas do futebol mundial para incluir também nesses contratos os compromissos assumidos pelos estados e municípios perante o governo federal para a realização do evento.

"Queremos evitar o empurra-empurra que aconteceu nos Jogos Pan-Americanos. A partir de junho já começamos a negociar uma matriz de responsabilidades no âmbito do setor público para definir desde já o que caberá a cada esfera de governo fazer", afirmou em entrevista à Gazeta Mercantil o ministro dos Esportes, Orlando Silva Jr., 38 anos. Segundo ele, essa definição sairá logo após o anúncio, no final de maio, das 12 cidades-sede.

Convencido de que o setor privado será atraído para investir na construção da rede de arenas multiuso para substituir os estádios atuais, o ministro reafirma que os recursos públicos serão direcionados para melhorar e ampliar a infraestrutura física das cidades, principalmente nas áreas de transportes. "Enquanto o presidente Lula está mais preocupado com a mobilidade urbana, para a Fifa o ponto mais sensível é o sistema aeroportuário e a malha aérea", comenta Orlando.

Na opinião do ministro - que chegou ao cargo pela cota do PCdoB-, ao mostrar para o mundo a capacidade do Brasil realizar um evento da dimensão do campeonato mundial de futebol, a Copa ajudará a tornar o País uma referência para negócios. Outro benefício é a chance de modernizar o futebol no Brasil, aumentando a participação da bilheteria nas receitas dos clubes, hoje formadas basicamente pela transferência de jogadores.

Cauteloso, Orlando evita demonstrar preferência sobre o local da abertura dos jogos, embora acredite que os governadores já tenham concordado com o encerramento no Maracanã, no Rio de Janeiro, que disputa o privilégio com São Paulo e Minas Gerais, estados de onde deverá sair o candidato da oposição para concorrer à sucessão presidencial com a candidata do governo, a ministra Dilma Rousseff (PT). Ele garante, entretanto, que a política não passará pelo planejamento da Copa.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida no feriado de Tiradentes em Una, na Bahia.

Gazeta Mercantil - Quando o planejamento vai começar a andar?

Como o futebol tem peso elevado aqui, existe muita ansiedade quanto à preparação das cidades candidatas a sediar os jogos. São 17 cidades disputando 12 vagas. A disputa é tão acirrada que a Fifa decidiu fazer os jogos em 12 cidades e não em dez, ideia inicial. Acordo de cooperação firmado ano passado entre o Ministério dos Esportes, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), cujo presidente, Ricardo Teixeira, também preside o Comitê Organizador, e a Associação Brasileira da Indústria de Base (Abib), permitiu mapear as demandas de investimentos em infraestrutura nas 18 cidades candidatas - agora são 17 - e levantar os projetos já contratados, em execução, os que estão prontos mas sem financiamento, e os projetos necessários e ainda não elaborados. Identificamos as demandas de infraestrutura e as soluções.

Gazeta Mercantil - E qual a conclusão?

Esse material ficou pronto no final de março, coincidindo com a data em que a Fifa anunciaria as cidades-sede, o que foi adiado para o final de maio. Aguardamos a Fifa anunciar as escolhidas para entrarmos na fase dois: a pactuação entre os governos federal, dos estados e municípios onde os jogos vão acontecer. Será firmado um pacto para que sejam criadas as melhores condições possíveis para a realização da Copa.

Gazeta Mercantil - Já existe uma data marcada para essas conversas?

O presidente Lula vai convidar a Brasília os prefeitos e os governadores das cidades-sede para, junto com o governo federal, definir uma matriz de responsabilidades - quem fará o que, com recursos de quais fontes e "x¿¿ prazos. Essa fase, a etapa dois, será a chave, pois as tarefas do setor público no evento serão divididas entre os três níveis de governo. Isso é tão importante que propusemos à Fifa incluir esses compromissos no contrato que assinará com as cidades, onde estarão as exigências todas. O objetivo é evitar o empurra-empurra ocorrido nos Jogos Pan-Americanos. Um ano antes do Pan a gente via que a prefeitura do Rio de Janeiro - isto não é nenhuma crítica, mas aconteceu - protelava decisões, o governo do estado protelava decisões de coisas que tinham de ser feitas e entregues em data marcada. Vivemos uma fase na qual o governo bancava ou naufragava.

Gazeta Mercantil - Essa é a principal lição do Pan para a Copa?

É relevante fixar, com clareza e antecedência, as responsabilidades de cada um. Nossa meta é concluir o planejamento neste ano para que a União, estados e municípios reservem recursos orçamentários em 2010 e comecem a tocar as obras a partir de janeiro próximo.

Gazeta Mercantil - De tudo o que precisa ser feito, o que mais preocupa?

O presidente Lula tem uma preocupação particular com a mobilidade urbana. Ele protelou o anúncio de quatro obras dessa área por acreditar que essa é uma tarefa chave a ser enfrentada. Transporte, tráfego, acesso às capitais estão entre os problemas de infraestrutura bastante valorizados pelo Planalto. Mas, para a Fifa, a ênfase está no sistema aeroportuário e na malha aérea, porque a Copa acontecerá em várias cidades. Ao contrário da Europa, as distâncias aqui são muito maiores.

Gazeta Mercantil - Além disso, o setor ainda convive com o risco de nova crise.

Ao lado da expansão de metrôs e melhoria dos acessos rodoviários, da solução para os aeroportos e malha viária, existem os portos, que em certas capitais poderão resolver outro tema sensível - a rede hoteleira. Com boa infraestrutura portuária, será possível encostar transatlânticos para ampliar o número de leitos temporários e auxiliar na circulação dos torcedores e turistas pelo País. Aeroportos, portos, infraestrutura e mobilidade urbana são temas muito caros.

Gazeta Mercantil - E as deficiências nos serviços?

Esse tema abrange outras questões relevantes: saúde, segurança, hotelaria/hospitalidade, saneamento. O levantamento da Abdib inclui essas dimensões, e com base nele vamos dialogar com governadores e prefeitos. Tudo dentro da lógica de que o setor público vai focar os recursos na infraestrutura das cidades. As arenas, redes hoteleira e gastronômica terão de ser bancadas por investimentos privados. Dinheiro público também será aplicado na qualificação de serviços para alcançar o patamar adequado ao evento. Isso não impedirá, entretanto, que capitais privados participem de projetos de melhoria e expansão da saúde e segurança, mas a ideia é concentrar os recursos públicos naquilo que fica depois do mundial. O presidente Lula vê a Copa como uma chance de adotar medidas anticíclicas complementares para atravessar a crise. Por isso, projetos novos serão incorporados ao PAC, garantindo verbas orçamentárias.

Gazeta Mercantil - Existe uma estimativa de quanto será preciso investir de recursos públicos?

Somente após conhecermos as cidades-sede. As demandas variam muito de uma capital para outra. Algumas apresentaram como solução nos transportes a construção de linhas de veículos leves (VLTs), mas tem gente no governo que prefere corredores de ônibus, mais baratos e simples. Na hora certa, a solução técnica será tomada e as verbas estarão nos orçamentos públicos. O mapeamento da Abdib traz uma visão localizada das deficiências e vantagens das cidades e estados, mas quando fizermos o encontro de tudo, teremos uma visão de conjunto e, portanto, qual a melhor solução para cada problema, com o respectivo financiamento. Nem toda solução proposta terá meios de financiamento. A conta terá que ser um ponto de chegada e não de saída.

Gazeta Mercantil - Já existem investidores privados interessados nos estádios?

Tem muito diálogo. Vários governadores estão conversando com empresas brasileiras, algumas delas associadas a fundos de investimentos estrangeiros. O fato de o Brasil ser um porto-seguro para capitais estrangeiros facilitará o aporte desses recursos. Projetos imobiliários factíveis de financiamento, não só para a construção de arenas multiuso, mas de prédios comerciais no entorno dos estádios, estão sendo estruturados. O Rio Grande do Sul prevê para locais próximos ao Beira Rio, que deverá ser completamente reformado, várias torres de escritórios e um complexo comercial.

Gazeta Mercantil - O que tornaria as arenas atraentes para o setor privado? A utilização para além do futebol, ser um espaço multiuso. Semanas atrás estive no estádio de Wembley, onde a seleção inglesa joga e acontecem as finais de vários torneios, shows, eventos políticos e religiosos. Isso viabiliza o uso mais intenso desses espaços, dentro de um conceito mais amplo. As instalações têm de ser diferentes.Alguns estádios aqui começam a ter áreas vips direcionadas a empresas ou convidados, ajudando a aumentar a renda. Portanto, é preciso mudar a mentalidade sobre a gestão desses espaços.

Gazeta Mercantil - Fala-se que atualmente nenhum estádio teria condições de sediar um jogo da Copa.

Nenhum atende os critérios rígidos da Fifa: capacidade de público, espaço para a imprensa, acessibilidade, estacionamento. Essas exigências são uma oportunidade para que qualificar esses espaços no Brasil.

Gazeta Mercantil - Tem algum mais próximo desses critérios?

Essas coisas são complicadas de dizer (risos). Tem estádios interessantes. A arena da Baixada, do Atlético Paranaense, de Curitiba, talvez seja um dos estádios mais modernos do Brasil em conforto e segurança dos torcedores, que ocupam um lugar numerado, como no teatro; tem restaurante de qualidade, acesso para deficientes físicos, mas a capacidade de público está aquém do que a Fifa determina.

Gazeta Mercantil - E qual a tendência em relação à sede da abertura dos jogos?

Primeiro, a Fifa vai decidir as cidades que receberão os jogos. Abertura e encerramento são decisões futuras. O governador Sérgio Cabral, do Rio, quer fazer o encerramento no Maracanã, com o argumento de que o Rio é o portal do Brasil para o mundo e o Maracanã é o templo do futebol internacional. É um argumento que é importante. Desconheço um só governador que fale de o encerramento não ser no Maracanã. Parece que todo mundo abriu mão pelo Maracanã. Mas a disputa existe, eu diria, entre São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. O governador de Minas, Aécio Neves, também tem muito interesse de receber o jogo de abertura da Copa. Todos têm seus argumentos: Brasília é a capital do País, que tem lá a sua representação diplomática, entre outras vantagens; São Paulo recebe o maior número de visitantes, tem uma infraestrutura hoteleira fantástica, um futebol importante, o estádio do Morumbi é um belíssimo estádio. Belo Horizonte, por sua vez, fala que o povo mineiro é o mais apaixonado pelo futebol, e embora localizada fora do eixo Rio-São Paulo, é uma cidade planejada. Eu acho que todos têm razão. Felizmente, não é responsabilidade do governo federal falar sobre isto. O governo do Brasil quer distância da decisão das sedes, bem como das cidades responsáveis pela abertura e encerramento dos jogos. Nós não queremos que a política brasileira passe por este assunto.

Gazeta Mercantil - Estamos, exatamente, a cinco anos da Copa. Não é pouco tempo para essa tarefa gigantesca?

Eu diria que estamos a quatro anos porque a Copa das Confederações acontece um ano antes do campeonato mundial, é um evento teste. Vai dar tempo. Pelo mapa do que as cidades já possuem de planejamento e pelo que já está contratado nas obras do PAC, eu diria que nós temos condições de entregar em tempo tudo aquilo que o Brasil se comprometeu. O PAC é uma plataforma que vai facilitar muito porque muitos investimentos em infraestrutura já estão previstos. Para ilustrar, poderia citar os aeroportos. Praticamente, no Brasil, hoje, todos os aeroportos ou foram recentemente reformados ou já existe um planejamento para reformas, sobretudo na ampliação dos terminais de passageiros.

Gazeta Mercantil - E a malha aérea?

É outra questão fundamental, que terá de ser melhorada, independente da Copa, o quanto antes. Não dá para um torcedor ir de Fortaleza a Salvador, passando por Brasília. A Infraero atuará nisso, até porque nós vimos neste momento de crise o turismo interno está crescendo muito. É preciso dar solução para essa demanda que já existe por parte dos brasileiros.

Gazeta Mercantil - Teremos uma mudança de governo no meio da preparação da Copa. O que o atual governo conseguirá deixar pronto?

O presidente Lula pretende encaminhar todo o projeto da Copa ainda no seu mandato. Até 31 de dezembro próximo teremos todo o planejamento, todos os contratos assinados com estados e municípios, e as despesas incluídas no próximo Plano Plurianual de Investimentos. Depois virão as licitações públicas. Parte das obras será executada pelos governos estaduais e municipais, mas a pretensão de Lula é deixar bem encaminhados os investimentos para que a Copa aconteça com todo o sucesso. Troca de governo no Brasil, hoje, passa a ser um tema secundário porque a estabilidade política dá segurança, independente do governo de turno. Quando o Brasil foi escolhido em Zurique, em 2007, você viu lá a presença do presidente da República e de 13 governadores de estado. Isso mostra a força e a determinação institucional porque não eram apenas os homens e as mulheres, eram as instituições que eles representavam.

Gazeta Mercantil - A Copa é o maior evento midiático do mundo. Como está sendo pensado o conceito para vender o Brasil lá fora?

A Janine Pires, presidente da Embratur, e o Luiz Barreto, ministro do Turismo, estão tratando com muito cuidado disto. Mas no viés esportivo, a Copa cria quatro oportunidades de modernização. A primeira é a promoção do Brasil como destino turístico internacional de belezas naturais, tradições culturais, ciclos históricos. Também promove a nossa competência de realizar um evento dessa dimensão. Vamos mostrar que somos uma nação democrática, com estabilidade política e econômica. Esta promoção serve para atrair visitantes e tornar o Brasil uma referência para negócios. É ainda uma chance de modernizar a infraestrutura, qualificar os serviços, inclusive na área de turismo. Também vamos instalar uma rede de última geração de arenas, que na minha perspectiva do esporte pode ser uma plataforma fundamental para modernizar o futebol brasileiro.

Gazeta Mercantil - Por quê?

Porque a bilheteria corresponde a um terço da receita dos clubes nos demais países, contra 11% a 13% aqui. Ou seja, muito aquém da possibilidade que o mundo já mostrou. Arenas modernas incrementarão a bilheteria e fortalecerão as finanças dos clubes, que poderão manter bons atletas por mais tempo, que por sua vez darão melhores espetáculos que podem ser negociados em condições mais favoráveis com as emissoras de TV. Esse processo retroalimentará a qualificação do futebol brasileiro. As parcerias com o setor privado ajudariam a estimular uma gestão mais moderna e profissional dos clubes. Esse é um ganho secundário da Copa, mas fundamental para o esporte.

Gazeta Mercantil - A venda de jogadores deixaria de ser a principal fonte de renda.

No mundo inteiro, são quatro fontes de receitas: transferência de atletas - que no Brasil, na América do Sul e na África é a principal -; bilheteria, que é uma fonte secundária, mas que na Europa é a mais importante; o licenciamento de produtos, que tem crescido no Brasil, mas ainda está muito aquém do que poderia ser; e direitos de transmissão de TV e, agora, de outras mídias, sobretudo. Aqui, transferência de atletas e TV são as receitas principais, existindo ainda uma distância muito grande entre a transferência de atletas para a verba que vem da TV. É possível aproveitarmos a Copa para criarmos um ciclo virtuoso para o futebol do Brasil.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 9)(Liliana Lavoratti)