Título: Ações de setores esquecidos lideram alta recente da bolsa
Autor: Pinheiro,Vinícius
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/04/2009, Finanças, p. B3

São Paulo, 27 de Abril de 2009 - Depois da recuperação das ações ligadas aos produtores de matérias-primas (commodities), como Petrobras, Vale e siderúrgicas, a alta recente da bolsa brasileira vem sendo comandada pelos papéis dos setores que mais haviam sofrido nos piores momentos da crise financeira. Enquanto o Ibovespa, índice que reúne as ações mais negociadas da BM&F Bovespa, acumulava um ganho de quase 12% no mês até o último dia 23, empresas como a Rossi Residencial registravam valorização de 48,4% no mesmo período.

De acordo com os especialistas, muitas dessas ações estavam excessivamente depreciadas, e com a "descompressão" no mercado provocada pela redução do sentimento de aversão ao risco, os investidores, em especial os estrangeiros que estavam fora da bolsa, acabaram buscando esses papéis. Os tímidos sinais de recuperação da economia internacional e as medidas do governo para estimular a atividade doméstica também contribuíram para o movimento.

No setor de construção civil, por exemplo, o plano habitacional que prevê investimentos de até R$ 34 bilhões animou as apostas nas ações das incorporadoras imobiliárias, analisa a diretora de gestão da Fator Administração de Recursos, Roseli Machado. Entre os papéis de varejo, explica, o estímulo foi dado pela extensão da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a linha branca de eletrodomésticos.

A diretora da Fator destaca que a melhora das perspectivas para a atividade doméstica e a avaliação mais positiva sobre os impactos da crise na economia chinesa ajudaram a descolar a bolsa brasileira da norte-americana. "De novembro para cá, o Ibovespa registrou uma alta 60% superior à do S&P 500, da Bolsa de Nova York", ressalta.

Foi justamente as notícias sobre o consumo da China que trouxeram luz ao combalido setor de papel e celulose, tragado pelas bilionárias perdas com derivativos tóxicos. Passado o mal estar com o preço pago pela VCP para incorporar a Aracruz e o alto endividamento da empresa resultante da fusão, o mercado passou a encarar os pontos positivos da operação, como os ganhos de escala e de competitividade da nova companhia, segundo um gestor de fundos. "Ao fazer as contas, os investidores se deram conta de que os papéis estavam muito descontados", afirma.

Para o executivo da área de gestão de recursos de um grande banco, que também pediu para não ser identificado, dois movimentos técnicos também justificam a alta dos setores "esquecidos". O primeiro deles é a migração dos recursos que estavam alocados em papéis defensivos - ou seja, de empresas com menor expectativa de crescimento, mas boas pagadoras de dividendos - e em renda fixa, cuja rentabilidade está nos menores níveis históricos por conta do movimento global de redução de juros. "Uma coisa é estar na renda fixa com a bolsa caindo, outra é assistir às ações subindo todo dia." O executivo também atribui a forte valorização em tão pouco tempo ao chamado "short squeeze", termo de mercado que caracteriza a cobertura de posições vendidas por parte de especuladores que apostavam na queda dessas ações.

Caro ou barato?

Apesar da valorização expressiva nas últimas semanas, a recuperação nem de longe reverteu a queda acumulada pelas ações nos últimos 12 meses. Para os analistas, contudo, esse não é um sinal de que os papéis estão baratos. A diretora da Fator avalia que a bolsa deve passar por ajustes após os ganhos dos últimos dois meses. "O preço dos papéis já reflete a pequena recuperação no cenário observada recentemente."

A estrategista da Ativa Corretora, Mônica Araújo, tem avaliação semelhante. "É preciso bastante cautela, pois as ações não irão simplesmente voltar para os patamares alcançados antes do agravamento da crise." Ela afirma que a retomada do mercado não é compatível com os resultados esperados para as empresas, ao menos neste primeiro semestre. A melhora da bolsa, portanto, tem como base a expectativa de uma melhora futura, que ainda precisa se concretizar, alerta. Caso haja um novo ciclo de baixa, as ações que ganharam terreno nos últimos pregões podem ser os primeiros alvos de venda.

(Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 3)(Vinícius Pinheiro)