Título: Serra diz que estados estão de mãos atadas
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Fonte: Gazeta Mercantil, 29/04/2009, Brasil, p. A8
São Paulo, 29 de Abril de 2009 - O governador de São Paulo José Serra (PSDB) e provável candidato da oposição na corrida presidencial de 2010 voltou a criticar ontem as medidas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para reduzir o efeito da crise mundial na economia brasileira, fez um balanço do programa paulista anticíclico e prometeu novas ações para breve, como a retirada do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos bens de capital. Em evento na Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, que discutiu o impacto da recessão global nas economias regionais, o presidenciável tucano também aproveitou para desvincular da marca privatizante dos tucanos a venda de várias estatais paulistas em sua atual administração.
"São Paulo é a unidade da federação que continuou enxugando o setor público. Mas estamos apenas trocando o patrimônio. Vendemos a Nossa Caixa e estamos aumentando o Metrô. Também não estamos usando esse dinheiro para custeio da máquina, mas para ampliar investimentos", afirmou o governador ao mencionar a receita de R$ 23 bilhões obtida com a venda de patrimônio público para empresas privadas (ver quadro nesta página). Ele lembrou que presidiu o comitê de desestatização no governo FHC, onde se desenhou o programa de desestatização - um dos maiores do mundo. Ao contrário daquela privatização, feita para pagar dívida pública, acrescentou Serra, "no nosso caso é para aumentar investimentos". Segundo ele, aplicar neste ano R$ 21 bilhões para melhorar a infraestrutura física (sete vezes mais que em 2006), determina um papel anticíclico "muito peculiar" do governo paulista.
O governador reafirmou que as ações do governo federal, baseadas nas políticas fiscal e monetária, surtiram efeito contrário, ou seja, acabaram empurrando a economia ainda mais para baixo. "Ao manter os juros siderais, o Banco Central aprofundou uma política monetária que já era pró-cíclica. Ninguém acredita a causa era inflação acelerada. Os juros altos eram para sobrevalorizar o câmbio, mas ficava feio admitir isso", alfinetou Serra. "Ainda não sabemos como vamos batizar o tumulto que a política cambial causou no mercado, estimulando os exportadores a antecipar as divisas em dólar, trocar por Reais e aplicar na ciranda financeira", ironizou. "Eu posso dar o nome a isso, mas vou me trancar até o final das eleições", emendou.
Sem citar o presidente Lula nem outra autoridade do governo petista, o governador paulista argumentou que "nos últimos tempos, demos várias contribuições ao mercado mundial de coisas que não podiam ser feitas". Serra sugeriu a outro economista tucano presente ao evento, Yoshiaki Nakano, orientar seus alunos de Economia a elaborar teses acadêmicas sobre "uma longa lista de curiosidades que despertarão a atenção da comunidade internacional". Entre elas, citou os reajustes salariais já concedidos pelo governo federal para vigorar a partir de 2011 - no governo eleito em 2010.
"Não houve e nem há política anticíclica federal, os juros continuam altos", afirmou o tucano. Até hoje, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) deverá anunciar nova redução da Selic, a taxa anual está em 11,25% ao ano, voltando ao patamar de março de 2008. Serra admitiu, entretanto, ser vantajoso para o governo estadual a Selic alta enquanto as concessionárias dos serviços privatizados estiverem pagando prestações indexadas à taxa básica.
Investimentos
A política fiscal voltada a evitar a contaminação da economia nos últimos meses também foram criticadas por Serra. "O ideal pregado por John Keynes é que o Estado aumente os investimentos, mas aumentaram gastos correntes, mais rebaixamento de tributos", disse. Serra tomou o cuidado de esclarecer que a desoneração do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis e geladeiras "não foi uma ação errada, mas poderia ter sido aperfeiçoada", e que "a grosso modo" não tinha ressalvas sobre a ação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que aumentou a oferta de crédito para empresas e governos estaduais. As duas medidas são amplamente apoiadas pelo empresariado e pela população.
Serra ressaltou ainda que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), proposta pelo governo FHC, só existe para colocar tetos nas despesas dos estados e municípios. "Governos estaduais e locais não têm condições de fazer política fiscal para combater a crise", declarou, lembrando que estão impedidos de emitir títulos públicos para captar recursos. "Anticíclico é fazer déficit público. Os estados e prefeituras também fariam gostosamente, mas não conseguem", acrescentou, citando que em janeiro e fevereiro deste ano frente ao primeiro bimestre de 2008, o governo federal reduziu em 3,5% seu superávit primário (receitas menos despesas, exceto os juros da dívida pública), enquanto governos estaduais juntos diminuíram em apenas 0,22%, mesmo patamar do superávit primário das prefeituras (-0,20%), na mesma comparação.
Enquanto o superávit primário acumulado pelo governo federal em janeiro e fevereiro foi de R$ 3 bilhões, o estado de São Paulo conseguiu economizar o dobro (R$ 6,5 bilhões) para o pagamento de dívida; o Rio de Janeiro fez R$ 1,4 bilhão, e a prefeitura de São Paulo R$ 2,4 bilhões. "Dentro da pouca margem de manobra, procuramos fazer o máximo, a começar pelos investimentos da ordem de R$ 21 bilhões neste ano", afirmou Serra, que também criticou o rebaixamento do IPI e do Imposto de Renda e suas consequências nos Fundos de Participação de Estados e Municípios (FPE e FPM). "O principal agente da política anticíclica neste país, os estados e municípios, estão de mãos amarradas", destacou. Em 2008, estados e prefeituras foram responsáveis por 80% dos investimentos públicos no País.
Embora a arrecadação do ICMS em São Paulo tenha caído 1% em termos reais no primeiro trimestre deste ano frente a igual período de 2008, as receitas totais cresceram 1,2%, por conta de tributos como o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotivos (Ipva). "Isso esquentou a espectativa dos servidores públicos, que estimulados pelos sindicatos do PT, querem obter algum dividendo político neste ano pré-eleitoral", disse o governador. O decréscimo da arrecadação no estado, no entanto, é cinco vezes menor que o verificado na arrecadação do governo federal no mesmo período. "Mesmo assim, não existe a mais remota possibilidade de aumentarmos gastos correntes", concluiu o governador.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 8)(Liliana Lavoratti)