Título: Rodízio volta ao debate
Autor: Araújo, Saulo
Fonte: Correio Braziliense, 26/03/2011, Cidades, p. 25

Um projeto de lei em tramitação na Câmara Legislativa que cria o rodízio de veículos no Distrito Federal promete esquentar o debate sobre a situação do trânsito na capital do país. A proposta tem por objetivo restringir o uso de carros nas vias que registram os maiores fluxos nas cidades candangas. Por enquanto, a proposta não passou pelo crivo dos deputados distritais, mas divide a opinião de motoristas, usuários do transporte público, especialistas e autoridades do setor.

De acordo com o texto, os veículos de placas com fins 1 e 2 ficariam proibidos de rodar às segundas-feiras. Na terça-feira, a restrição seria para os carros com fins 3 e 4. Na quarta-feira, 5 e 6. Sete e 8, às quintas-feiras. E, na sexta-feira, a limitação atingiria os donos de automóveis cujas placas terminam com os números 9 e 0. Aos sábados, domingos e feriados, o tráfego seria liberado para todos.

O paulista Felipe França lembra que em São Paulo a proposta colocada em vigor não funcionou

Os contrários à proposição usam o exemplo de São Paulo para discordar da medida radical (leia quadro). Na capital paulista, o sistema foi adotado há 14 anos, mas não reduziu os engarrafamentos na metrópole. Para o engenheiro de tráfego e professor da Universidade de Brasília (UnB) Paulo César Marques, a aplicação do rodízio terá pouca eficácia se o governo não investir no transporte de massa. Segundo ele, antes de criar restrições aos condutores, é necessário dar alternativas para quem vai deixar o carro na garagem. ¿Não se resolve o problema do trânsito se o transporte público não for contemplado¿, disse.

O especialista defende ações mais radicais e impopulares para conter o avanço desenfreado da frota do DF, hoje estimada em mais de 1,2 milhão de veículos. ¿O mais eficiente seria a criação do pedágio para motoristas que desejam circular em certos locais, além de acabar com os estacionamentos públicos. Mas falta vontade política para isso. São medidas simples, porém, antipáticas¿, concluiu (leia Palavra de especialista).

Divergência Nas ruas da capital do país, a proposta é bem recebida pelos usuários do transporte público. Mas irrita a maioria dos motoristas. Ainda assim, todos concordam que o governo deve melhorar as condições dos ônibus e do metrô antes de mudar as regras no trânsito do DF. A estudante de direito Nubiane de Oliveira Lino, 24 anos, não admite abrir mão de circular no Ka. Assumidamente dependente do carro, ela conta que seria impossível sair de casa a pé. ¿Eu ia ficar horas na parada, depois ia pegar um ônibus lotado. Moro perto do metrô (no centro de Taguatinga), mas passa muito cheio. Se essa lei entrasse em vigor, daria um jeito de comprar outro carro.¿

O técnico em programação visual Felipe França, 33 anos, tem a mesma opinião de Nubiane. Natural de São Paulo, ele se lembra do exemplo malsucedido adotado na terra natal. Nas poucas vezes que resolve ir de ônibus de Sobradinho, onde mora, para o trabalho, na Asa Sul, leva mais de uma hora num percurso que poderia ser feito em menos de 30 minutos. ¿Em São Paulo, implantaram o rodízio há muitos anos e não se nota nenhuma diferença. O problema não está nos carros, mas no transporte público de péssima qualidade.¿

No entanto, há proprietários de veículos que defendem a aprovação do projeto de lei. É o caso do motorista Israel James Rodrigues, 36 anos. Morador de Planaltina, ele faz parte da minoria disposta a se sacrificar uma vez por semana em nome da coletividade. ¿Sofro muito com engarrafamentos diários na BR-020. Se realmente tivesse rodízio, melhoria para quem depende de ônibus ou tem carro, pois todo mundo ia chegar mais cedo em casa. A qualidade de vida melhoraria bastante¿, avaliou.

Congestionamentos Se o projeto de lei for aprovado, o Departamento de Trânsito (Detran) e a Secretaria de Transportes vão determinar quais as vias que seriam atingidas pelo sistema de rodízios. Entre as mais problemáticas estão a Estrada Parque Taguatinga (EPTG) e a Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB).