Título: ONGs criticam tentativa de flexibilizar restrições
Autor: Lavoratti,Liliana
Fonte: Gazeta Mercantil, 04/05/2009, Brasil, p. A9
São Paulo, 4 de Maio de 2009 - Num momento da história econômica mundial que a presença do Estado é reivindicada e até mesmo a meca do capitalismo - os Estados Unidos - sinaliza a necessidade de adoção urgente de mecanismos globais para salvar a depredação da natureza, os ruralistas brasileiros querem desregulamentar o setor. Reunindo a maior bancada informal no Congresso Nacional, os produtores rurais, apoiados pelo ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Reinhold Stephanes, fazem campanha para alterar o Código Florestal até o final deste ano. Pela legislação atual, quem não recompôs as reservas legais ou desmatou acima dos limites autorizados, será multado a partir de novembro próximo, com base no decreto 6.514, de 22 de julho de 2008, que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais e penaliza com multas diárias de até R$ 500,00 por hectare quem planta ou cria animais em áreas de reserva legal. Por pressão do setor, o governo adiou as sanções por 14 meses.
O tema começou a ser discutido no Senado na última sexta-feira e nesta semana a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e a Sociedade Rural Brasileira (SRB) entregarão aos deputados e senadores ligados ao setor mais uma proposta de alteração do Código Florestal - a 34 apresentada ais congressistas nos últimos tempos.
Conforme Stephanes, a aplicação total e à risca de todas as restrições previstas no conjunto da legislação atual torna 77% do território nacional não utilizável para fins de produção agrícola e pecuária. E cerca de 1 milhão das 6 milhões de propriedades rurais existentes em todo o País ficariam inviáveis economicamente (veja entrevista na página A10). A afirmação é baseada em estudo recente do pesquisador Evaristo de Miranda, da Embrapa Monitoramento por Satélite - subordinada ao Ministério da Agricultura. Pelo levantamento, no bioma Amazônia, por exemplo, 93% das terras ficariam impedidas de utilização.
A saída pregada por este pedaço da Esplanada dos Ministérios é reformular o Código Florestal, de 1965, onde estão definidas as áreas de reserva legal (nascentes e beiras de rios, encostas, vegetação fixadora de dunas), em outros dispositivos. "É uma falsa dicotomia contrapor o desenvolvimento agrícola à preservação ambiental. O Brasil já viu esse filme que não levou a nada, a não ser a um certo atraso", afirma o diretor da organização não governamental SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani. Segundo ele, o ministro da Agricultura está fazendo o papel de "terrorista de Estado" ao propagar a falta de alimentos se os agricultores terão de abandonar sua atividade e migrar para as cidades se os limites de desmatamento não forem ampliados.
Na contramão
"Um dos objetivos imediatos dessa movimentação é anistiar os produtores rurais que não seguiram as normas para a recomposição as reservas legais, fixadas na lei nacional de política agrícola (número 8.171, de 1991). "Fruto de amplo acordo feito na época, ficou estabelecido que as reservas legais seriam recuperadas em trinta anos, à base de 1/30 ao ano, até zerar tudo em 2022", afirma Mantovani. Em decorrência, quase dois terços das reservas deveriam estar recompostas hoje, mas os dados mostram que isso não aconteceu, enfatiza Mantovani.
"Além de descumprirem a legislação pactuada por eles mesmos, os ruralistas agora tentam induzir também os pequenos produtores a se rebelar contra as normas garantidoras do meio ambiente como um espaço da coletividade", critica Mantovani. Segundo o dirigente da ONG, um "retrocesso" na regulamentação ambiental brasileira seguramente terá repercussão negativa para o País nas negociações no âmbito da renovação do Protocolo de Kyoto, no âmbito da Organização das Nações Unidas (Onu), para redução das emissões de gases de efeito estuda. Um novo acordo poderá resultar de conferência marcada para o segundo semestre deste ano.
Os ambientalistas prometem muito barulho contra as mudanças que começam a ser discutidas no Congresso. "O respeito aos recursos naturais é um caminho sem volta. Setores industriais que até pouco tempo resistiam a essa realidade estão acordando, como uma parte dos produtores de cana-de-açúcar, pois sabem que a questão ambiental fecha mercado. Está se dando bem quem percebe isso e agrega valor ao seu produto adotando tecnologias limpas e cuidando da natureza para garantir os serviços ambientais essenciais à vida no planeta, como o abastecimento de água, o controle de pragas e doenças", argumenta Mantovani. O setor de celulose, exemplifica, já tem cerca de 4,5 milhões de reflorestamentos, o equivalente às plantações de eucaliptos.
O Brasil é um dos países do mundo que proporcionalmente mais têm áreas disponíveis para atividades agropecuárias, assegura o professor do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Núcleo de Economia Socioambiental, economista José Eli da Veiga. "A conta é bem simples e pode ser feita com os próprios resultados dos cálculos apresentados pela Embrapa. Quando excluídos os ecossistemas com aptidões florestais, e não agropecuárias, fica bem claro que a disponibilidade de terras é superior a 65 %", afirma (ver quadro nesta página elabora pelo acadêmico). Segundo Eli, isso só ocorre em 25 países com minúsculos territórios, jamais em países com dimensões territoriais comparáveis ao Brasil.
Leis estaduais
"Portanto, fica evidente que o objetivo dos ruralistas é fazer crer que os biomas amazônico e pantaneiro, junto com a parcela do cerrado situado na amazônia legal, devam ser objeto de exploração semelhante à que predominou nos últimos séculos na devastação da caatinga. O que só pode ser considerado pura maluquice", conclui.
Para o professor da USP, a estratégia dos produtores rurais é enfraquecer o Código Florestal, reduzindo essa lei federal a alguns princípios genéricos e remeter a leis estaduais a definição de regras sobre o uso do solo, principalmente no que diz respeito às áreas de reserva legal. O pioneiro neste sentido é Santa Catarina, que recentemente instituiu um Código Florestal próprio. "No momento, isso é inconstitucional, mas os ruralistas querem mudar a Constituição para tornar os códigos estaduais legais", diz Eli. Ele lembra que a justiça federal em São Miguel do Oeste (SC), negou o pedido de liminar de três possuidores de terras naquele município, para que fossem suspensas as multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), em fevereiro deste ano, em função da utilização de área dentro da faixa de 30 metros da margem do Rio das Antas. Eles alegaram, entre outros argumentos, que deve ser considerada a faixa de cinco metros, prevista no Código Ambiental catarinense. O juiz considerou, também entre outras razões, que o Ibama deve respeitar a lei vigente à época do fato e que o código não é aplicável ao caso.
Em debate na última sexta-feira no Senado, o assessor de Floresta e Clima do Ministério do Meio Ambiente, Tasso Azevedo, afirmou que dos 850 milhões de hectares que formam o território brasileiro, 500 milhões de hectares são de florestas e outros biomas como o Pantanal. "Dos 350 milhões de hectares de área desmatada restantes, 260 milhões são destinados à agricultura e pecuária", garante. De acordo com Azevedo, esta área é mais que suficiente para ser explorada. Segundo ele, "o que há no Brasil é uma má gestão do espaço rural". "Esses 260 milhões de hectares estão divididos em cerca de 70 milhões para a agricultura e 190 milhões para a pecuária. O que acontece é que nós temos o equivalente a um boi por hectare, quando na verdade cabem quatro. E, para isso, bastam adaptações simples e que não custam caro", explicou Tasso Azevedo.
Pesquisa Datafolha divulgada na semana passada mostra que 94% dos entrevistados preferem a suspensão do abate de árvores, mesmo que isso signifique frear o crescimento da produção agropecuária. Somente 3% dos entrevistados prefere autorizar mais desmatamento para aumentar a produção. A pesquisa foi encomendada pela ONG Amigos da Terra Amazônia Brasileira, foram ouvidos 2.055 pessoas maiores de 18 anos e com telefone fixo em todo o país. Não há precedentes no modelo da pesquisa que permitam comparar as opiniões, colhidas na primeira quinzena de abril.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 9)(Liliana Lavoratti)