Título: Obama promete mais do que realmente poderá cumprir
Autor: Hessel,Rosana
Fonte: Gazeta Mercantil, 04/05/2009, Internacional, p. A13
São Paulo, 4 de Maio de 2009 - O cingalês e vencedor do Prêmio Nobel Mohan Munasinghe é bem reticente quanto ao elevado grau de otimismo com relação às mudanças pregadas pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que completou 100 dias de governo na semana passada. Integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), Munasinghe foi um dos vencedores do Prêmio Nobel da Paz de 2007 (juntamente com o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore) com o famoso relatório da ONU que alerta sobre os riscos econômicos e sociais do aquecimento global.
Grande crítico do Protocolo de Kyoto, Munasinghe demonstra poucas esperanças para um acordo global na reunião de Copenhague, no final deste ano. E o desapontamento do físico, engenheiro e economista vai além, especialmente com os resultados da premiação norueguesa. "Ela rendeu publicidade, mas os governos, especialmente dos países ricos, não se sensibilizaram", reclamou Munasinghe, de Manchester, no Reino Unido, em uma entrevista exclusiva para a Gazeta Mercantil feita por telefone.
O Brasil, na opinião de Munasinghe, tem grande potencial de liderança para achar soluções para um futuro colapso econômico e social mundial, buscando alternativas sustentáveis. "O Brasil é um pais muito rico de recursos humanos e naturais e poderá ser um grande líder, especialmente no desenvolvimento de energias alternativas, como o etanol da cana-de-açúcar, pois a tecnologia usada pelos EUA (a do etanol do milho) é ruim para o abastecimento de alimentos", disse. "O Brasil precisa buscar parcerias para ajudar a preservar o mundo."
Hoje, Munasighe chega a São Paulo para debater mais sobre isso durante o "II Fórum Internacional de Comunicação e Sustentabilidade". (Ver matéria abaixo.)
Promessas de Obama
Na opinião de Munasinghe, Obama representa uma melhora muito grande em relação ao seu antecessor, "mas isso não seria difícil para qualquer um que estivesse no mesmo lugar". Mas o pior, na opinião dele, é que Obama pode não cumprir todas as mudanças que prometeu e vem prometendo.
"Se compararmos com o ex-presidente George W. Bush, qualquer um pode ser considerado bom pois o governo dele foi extremamente negativo. Por essa razão, estou otimista com os EUA, pois o país voltou para a comunidade de combate das mudanças climáticas. Acho que Obama é muito melhor do que Bush, mas ele não está fortemente comprometido com o corte das emissões", disse acrescentando que apenas a União Europeia se comprometeu em reduzir 20% das emissões de carbono. "Mas os países pobres pedem um corte de 40%."
Munasinghe ainda lembrou que Obama precisa corrigir muitas políticas de Bush, não somente a climática, mas também a econômica e a das guerras no Iraque e no Afeganistão. "Obama terá muito o que fazer, mas não sei se terá tanto apoio político e vontade política para realizar todas as mudanças necessárias. Ele fez muitas promessas, mas na minha visão, acho que não será fácil para ele cumprir todas elas. Vamos ver."
"Gripe Suína"
Em meio a atual crise financeira e a ameaça de uma pandemia da InfluenzaA, anteriormente denominada como "gripe suína", Munasinghe faz um alerta para a necessidade de os governos, tanto dos países ricos quanto das nações em desenvolvimento, realmente se comprometerem no combate ao aquecimento global e para a erradicação da pobreza. Senão, disse ele, outras epidemias surgirão, se houver um adiamento dessas prioridades em detrimento da crise financeira. "Os custos para isso são muito inferiores e é importante que todos se conscientizem de que só será possível superar a crise financeira, erradicando a pobreza e preservando o meio ambiente."
Munasinghe procurou destacar que a gripe suína não foi provocada pelas mudanças climáticas, "mas ela está totalmente relacionada com a deterioração do meio ambiente". "Se não houver um sistema sustentável, outras epidemias surgirão. Futuramente, algumas doenças vão se tornar muito mais severas com o aquecimento global", alertou ele, citando como exemplo a malária, a dengue, a cólera e a diarréia e doenças de estômago e que são provocadas por água contaminada. "É preciso uma ação rápida agora para vacinação no mundo todo senão haverá uma contaminação generalizada", acrescentou.
Crise financeira
O prêmio Nobel também criticou a rapidez como os governos dos países ricos conseguiram, no mês passado, juntar cerca de US$ 4 trilhões para combater a crise financeira e, com isso, "ajudar os grandes bancos e corporações". Ao mesmo tempo, ele admitiu temer que os países ricos adiem as ações de corte de emissões devido ao colapso financeiro. "Essa crise não deve ser uma desculpa. Ela deverá atrasar um pouco mas acho que isso não é uma atitude correta. Se olharmos para a economia global, os países ricos se comprometeram com US$ 4 trilhões muito rapidamente para salvar grandes bancos e empresas. Não há desculpa para que eles não desembolsem alguns bilhões para combater o aquecimento global", disse, em tom enfático. Segundo ele, serão necessários "apenas cerca de US$ 10 bilhões a US$ 20 bilhões, ou menos, por ano para combater o efeito estufa.
"Porque não usar uma pequena parcela dos trilhões de dólares dos grandes bancos para combater o aquecimento global assim como para combater a pobreza?", perguntou Monasinghe, acrescentando que esses investimentos ajudarão a economia global, criando empregos, energias alternativas, reflorestamento e capital humano. "Acho que as medidas para evitar um colapso financeiro, climático e social devem ser tomadas simultaneamente. Mas os países ricos não estão empenhados em resolver esses problemas ao mesmo tempo."
Com isso, Munasinghe também demonstrou não estar otimista em relação ao encontro de Copenhague uma vez que não vê comprometimento dos países desenvolvidos. "Muitos países pobres não querem fazer reduções antes dos países ricos. E por isso há um impasse nas negociações pois não há comprometimento. Dificilmente essa tendência irá mudar na reunião preparatória, em Bonn (Alemanha), em junho, para a de Copenhague."
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 13)(Rosana Hessel)