Título: Setor corporativo sobrevive a crises e promessas
Autor: Esteves,Cintia ; Oliveira,Regiane de
Fonte: Gazeta Mercantil, 04/05/2009, Administração & Serviços, p. C6

4 de Maio de 2009 - Quando se fala em problemas econômicos, poucos setores são tão sensíveis às variações do mercado quanto o turismo. E no Brasil, os desafios não têm sido poucos. Desde 2006, quando diversas empresas estrangeiras anunciaram investimentos vultuosos na construção de hotéis no País, o setor vem enfrentando oscilações em seu potencial de crescimento. O segmento de lazer foi o mais afetado e muitas empresas voltaram sua atenção para o turismo de negócios, de olho no crescimento da economia. A aposta foi certeira: o mercado corporativo já é considerado como a verdadeira vocação do turismo nacional, em detrimento do setor de lazer que vem sucumbindo lentamente às pragas que atingem o setor.

E não foram poucas: ataques terroristas do PCC, em São Paulo, quebra da Varig, problema dos controladores de voos, queda dos aviões da TAM e da Gol, caos nos aeroportos, redução no número turistas estrangeiros com a crise financeira global e, ainda, a recente ameaça da gripe suína. O resultado: o fôlego dos investidores diminuiu e muitos projetos estão sendo cancelados no mercado sol e praia.

Segundo dados da Associação Brasileira de Resorts, hoje existem 60 empreendimentos em operação no País. Em 2006, foram anunciados investimentos de R$ 5,8 bilhões no setor, que chegaria a 130 resorts em 2012. Essa meta já foi reduzida para 100 empreendimentos. Isso se, com sorte, os ventos voltarem a soprar a favor do mercado de lazer. De 2006 a 2008, o setor previa investimentos de R$ 900 milhões. Dados da entidade mostram, porém, que apenas 40% desses recursos foram realmente aplicados, 30% dos projetos foram adiados e outros 30% foram cancelados.

Nem tudo pode ser atribuído a sequência de problemas que atingiu o setor. "O Brasil não é um País com real vocação para o turismo de lazer. O que temos é um discurso político que insiste nesta vocação, mas que não leva o setor a sério como em outros países", afirma Jan von Bahr, diretor geral do resort Serhs, de Natal, citando como bons exemplos de planejamento turístico a França, a Espanha e o México. O executivo afirma que muita coisa melhorou desde a criação do Ministério Turismo, porém, ainda há um descompasso entre as promessas do governo federal e a realidade no mercado.

Apesar de o governo insistir nas boas previsões oriundas do Plano Nacional de Turismo (2007/2010), elas não vêm sendo cumpridas, especialmente as que se referem ao aumento do número de visitantes no País. No ano passado, estava prevista a entrada de 6,2 milhões de turistas estrangeiros no País, mas esse número ficou em 5,1 milhões, bem abaixo da expectativa. E essa não é a primeira vez que o governo não atinge as metas. No primeiro plano (2003/2007), o objetivo era chegar em 9 milhões de turistas estrangeiros.

Isso fez com que o segmento de lazer ficasse desacreditado. A maior rede hoteleira em atuação no País, a francesa Accor Hotels, por exemplo, desistiu do segmento de resorts. Atualmente, a rede conta apenas com uma unidade Sofitel, localizada no Guarujá (São Paulo), voltada para o mercado de lazer. E, por enquanto, sem planos para investir nesse segmento. "Não é que nós não estamos interessados, simplesmente não sentimos boas perspectivas", afirma Roland de Bonadona, diretor geral da empresa.

Segundo o Ministro do Turismo, Luiz Barretto, o erro nas previsões está ligado à inexperiência do País em relação ao desenvolvimento do turismo. "Até 2003, o Ministério do Turismo nem existia. É natural que as pessoas tivessem dificuldades em prever números. Faz parte da vida rever projeções", diz o ministro.

É fato que nem todas as previsões foram equivocadas. A meta para o número de viagens realizadas no mercado interno era chegar a 179 milhões em 2008, mas o aumento de renda da população e as ações de divulgação internas ajudaram a superar esta marca. "Alcançamos um número um pouco superior a este", afirmou.

Quanto as projeções para este ano - chegar a 197 milhões de viagens -, Barretto prefere não fazer prognósticos.

Levantamento realizado pela BSH Travel Research, empresa especializada na coleta de dados estatísticos do setor, mostra que estão previstos para este ano investimentos de R$ 1,8 bilhão na aber-tura de hotéis e resorts no Brasil. A expectativa do mercado é que a grande maioria dos projetos que vão sair do papel sejam do mercado corporativo.

"O Brasil é um País de turismo de negócios. Não temos um fluxo de turistas nem uma infraestrutura para atender à demanda de lazer", afirma Sérgio Bueno, gerente de novos negócios da rede InterCity. Além disso, ressalta, o desenvolvimento da hotelaria de lazer exige mais investimentos, especialmente na formação de destino. "O segmento corporativo é muito mais rentável, principalmente, porque não é preciso desenvolver o destino", afirma.

Bueno explica que a hotelaria corporativa passou por momentos difíceis no País no início dos anos 2000 com o excesso de oferta nas grandes cidades. Por isso, hoje, as empresas estão muito mais criteriosas na hora de desenvolver projetos. Apesar do foco do turismo de negócios estar nas regiões Sul e Sudeste, a InterCity aposta na abertura de hotéis corporativos também no Nordeste. Recentemente, a empresa fechou uma parceria com a incorporadora espanhola Syene, braço da construtora Copasa, para administrar um hotel em Salvador.

A parceria mostra uma nova tendência do mercado, a de investidores internacionais interessados no mercado corporativo. "A maioria ainda aposta no segmento de lazer, atraída pela glamourização do turismo brasileiro. Isso mostra que ainda há uma certa imaturidade e desconhecimento à cerca do real potencial do País."

A francesa Accor Hotels também não reclama de sua opção pelo mercado corporativo. Segundo Bonadona, a meta conservadora é a abertura de 48 hotéis na América Latina até 2012, sendo 10 deles no Brasil ainda este ano. "Apesar da queda na demanda em janeiro e fevereiro, já tivemos uma boa recuperação em março", afirma. A receita por quarto disponível da empresa cresceu 8% em março.

O resort Serhs também descobriu no turismo de negócios uma forma de aumentar a rentabilidade e o retorno do investimento. Construído há cinco anos em Natal, com investimentos de cerca de ¿ 40 milhões, o resort tinha como meta chegar a uma ocupação de 70% no prazo de quatro anos. "O plano era atender 70% de estrangeiros e 30% de brasileiros", afirma o executivo. Mas passado o período de euforia, a rede percebeu que este cenário não iria se concretizar. "Temos hoje uma ocupação média de 55% dos 396 quartos ao ano e nosso foco é atrair o turista brasileiro". A empresa trabalha com dois focos de crescimento: atrair eventos do Sudeste e turistas das regiões Norte e Nordeste. "Apesar da redução no número de eventos, esse setor ainda nos garante cerca de 30 mil pernoites por ano", diz.

Quanto aos novos projetos no Brasil, Bahr é enfático: "Só quando conseguirmos atingir todo o potencial do hotel em Natal", diz. Outro resort tradicional no País, o Breezes - último hotel de bandeira do resort Costa do Sauípe -, também aposta no turista brasileiro para manter uma boa performance nos negócios. De acordo com Xavier Veciana, diretor da rede , já é possível perceber uma redução de 20% no movimento de turistas europeus, especialmente por conta da queda no número de voos para o Nordeste, agravada com a crise financeira.

Em busca de foco

Enquanto norte-americanos e europeus fogem do Brasil, o Ministério do Turismo quer atrair turistas do mercado sul-americano. Mas apesar da proximidade, os desafios são muitos. "Estamos trabalhando para conseguir voos diretos do Chile e do Peru e aumentar os voos existentes da Argentina ", explica a presidente da Embratur, Jeanine Pires. Segundo ela, atualmente, 34% dos estrangeiros que vêm ao Brasil provêm da América Latina. Destes 1,7 milhão, aproximadamente 500 mil são argentinos que chegam ao Brasil por terra. Para este ano está previsto investimento de R$ 11 milhões em publicidade voltada para este público, valor 20% maior em relação a verba do ano passado.

(Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 6)(Cintia Esteves e Regiane de Oliveira)

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