Título: Carta de conforto ganha força no Brasil
Autor: Santos,Gilmara
Fonte: Gazeta Mercantil, 06/05/2009, Direito Corporativo, p. A10

São Paulo, 6 de Maio de 2009 - Desde o início da crise econômica, os escritórios de advocacia brasileiros experimentam aumento na demanda por diversos serviços. Recuperação judicial, revisão de contratos e questões trabalhistas se tornaram o carro-chefe de muitos escritórios. No entanto, nos últimos meses houve um crescimento também nas consultas sobre garantias para executivos, tanto relacionadas ao patrimônio quanto ao pagamento de custas, em demandas judiciais. E está se tornando mais comum a adoção, por parte das empresas, da chamada carta de conforto - um documento que garante que a companhia ou seus acionistas serão responsáveis pelo pagamento de eventuais despesas com disputas judiciais ou indenizações contra executivos, ainda que ele já não trabalhe mais na empresa. "Desde o início da crise financeira houve um aumento de 50% no número de consultas para este serviço no nosso escritório", revela o advogado Eduardo Reale Ferrari, do Reale e Moreira Porto Advogados Associados.

A advogada Marta Viegues, do escritório TozziniFreire, concorda que a crise fez aumentar a preocupação com esse tipo de questão. "As empresas estão tomando decisões estratégicas, muitas estão recorrendo à recuperação judicial, e o executivo precisa se resguardar caso haja algum problema", comenta a advogada ao afirmar que, assim como o seguro de responsabilidade de executivos ou o D&O (apólice Director & Officers), como é mais conhecido, a carta de conforto só é válida se não houve fraude ou atos dolosos por parte do executivo. "Ao invés de contratar uma seguradora, a empresa ou o acionista arca com o custo e se houver dano, assume o risco", explica Marta.

Nos Estados Unidos, comenta o advogado José Orlando Arrochela Lobo, do escritório Lobo & De Rizzo Advogados, este tipo de garantia já é bastante comum. No Brasil, conta ele, o movimento começou há dois anos e se intensificou nos últimos meses. "Nos últimos seis meses tivemos o mesmo número que tínhamos em dois anos", diz Lobo.

"A lei define a responsabilidade de maneira muito rigorosa, com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) fiscalizando de perto, entre outras coisas, então a carta de conforto é uma forma do executivo se resguardar contra eventualidades que possam incidir sobre ele no exercício regular de suas funções", explica o advogado André Andrade, do escritório Andrade Advogados Associados.

Vantagens e desvantagens

Além da carta de conforto, a busca pelo seguro D&O também aumentou desde o início da crise financeira. A principal diferença entre essas duas garantias é que a carta é assegurada pela própria empresa ou acionista. Enquanto que o seguro é garantido pela seguradora mediante ao pagamento de um prêmio pela empresa. Em tempos de crise, o pagamento desse valor pode ser um empecilho à adesão por parte das empresas.

No entanto, advogados alertam que a carta de conforto pode trazer alguns conflitos. "Se a empresa se compromete a pagar com a carta de conforto e o assunto em discussão envolver algum acionista, que move ação contra o diretor e este executivo perde o processo, o uso da carta gera conflito porque a própria companhia vai pagar pelo processo", comenta Marta Viegues. "Neste ponto, acho que a carta fica um pouco enfraquecida, mas nos demais acho que funciona bem", alerta a advogada.

Lobo também levanta essa questão e diz que nunca viu nenhuma discussão neste sentido sendo travada no Judiciário. "Esse documento deve ser encarado como uma garantia, obrigação de fazer por parte da empresa. Mas tenho dúvida sobre a eficácia desse instrumento nos tribunais", comenta. Para ele, as condições de contratação, como as garantias, deveriam integrar o próprio contrato de trabalho.

O advogado Reale Ferrari lembra ainda que uma das vantagens da carta de conforto é que ela garante o pagamento das custas judiciais e honorários de advogados mesmo que o executivo não trabalhe mais na empresa. "Muitas vezes, esses profissionais são acionados depois de já não trabalharem mais na companhia e um processo como este custa caro e pode levar anos para ser concluído. A carta dá segurança ao executivo", finaliza o advogado.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 10)(Gilmara Santos)