Título: Crise fortalece o FMI, que mantém exigências
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Fonte: Gazeta Mercantil, 11/05/2009, Internacional, p. A14

Le Monde Diplomatique, 11 de Maio de 2009 - Segundo informou o comunicado de 2 de abril de 2009, o grupo dos 20 principais países ricos e emergentes, o G20, reunido em Londres, adotou um "programa de US$ 1,1 trilhão" para alimentar um "plano global visando a promover a recuperação econômica numa escala inédita na história".

O principal beneficiário da operação foi o Fundo Monetário Internacional (FMI), cujos recursos para fornecimento de empréstimos foram multiplicados por três, passando de US$ 250 bilhões para US$ 750 bilhões. O que ocorreu "em função de um financiamento imediato, por parte dos membros, de US$ 250 bilhões, que poderá aumentar para até US$ 500 bilhões".

Além de uma nova alocação destinada a apoiar os direitos especiais de saques, o G20 autorizou o Fundo a vender parte de seu estoque de ouro, de modo que a instituição possa "fornecer aos países mais pobres, no decorrer dos próximos dois a três anos, US$ 6 bilhões suplementares sob a forma de fundos facilmente acessíveis".

Por fim, o FMI poderá "contar com a possibilidade de captar empréstimos no mercado em caso de necessidade", ao passo que, até então, dependia só dos rendimentos dos empréstimos. Com isso, outorgaram à instituição todas as condições para que possa levar uma nova vida. Esta será a sua terceira.

Fundado em julho de 1944, por ocasião da conferência de Bretton Woods, o FMI foi inicialmente o avalista da estabilidade do sistema monetário internacional do pós-guerra. Naquele momento, duas funções essenciais lhe foram atribuídas: garantir a cooperação monetária de modo a impedir as desvalorizações competitivas e manter a liquidez internacional, fornecendo empréstimos de fundos para os membros que tivessem desequilíbrios temporários da balança de pagamentos. Mais de dois terços dos empréstimos outorgados durante Bretton Woods foram para países industrializados.

Esse sistema foi abolido em 15 de agosto de 1971, quando os EUA decretaram o fim da convertibilidade do dólar em ouro e o FMI foi encarregado de vigiar a observância de regras que eram quase inexistentes. Foi a crise do endividamento do Terceiro Mundo, provocando a suspensão de pagamentos de dívidas por vários países a partir de 1982, que fez com que ganhasse uma segunda vida. A partir de então, e ao longo de duas décadas, ele emprestou fundos para dezenas de países endividados, exigindo em troca a aplicação de programas de ajuste estrutural. Com isso, ganhou a fama de guardião temido do "Consenso de Washington".

O fracasso dos métodos foi vigorosamente denunciado, entre outros, pelo antigo economista-chefe do Banco Mundial Joseph Stiglitz: "A liberalização do comércio, combinada com juros elevados, constitui método quase infalível para destruir os empregos e espalhar o desemprego - em detri-mento dos pobres. A austeridade orçamentária aplicada cegamente no quadro de uma situação inadaptada pode levar a um aumento do desemprego e a uma ruptura do contrato social".

Nos anos 1990, crises financeiras na Ásia e na A. Latina, além da pobreza na África, desfecham duros golpes contra a credibilidade do FMI, obrigando-o a questionar a validade de suas práticas. Contudo, o anúncio, em 1999, de uma "nova arquitetura financeira internacional" e a adoção, em 2002, de um "novo consenso" em Monterrey, México fracassam em promover mudanças relevantes.

Decididos a se livrar da dependência dos serviços do FMI, emergentes tiram proveito da evolução da conjuntura global (aumentos das cotações das matérias-primas e reduções dos juros) para acumular reservas cambiais. A Tailândia, a Argentina e o Brasil foram os primeiros de uma extensa lista de países que reembolsaram antecipadamente o total das suas dívidas.

Ao perder os principais clientes e, portanto, parte considerável das fontes de recursos, o FMI amargou a queda do total dos créditos, que passou de US$ 103 bilhões em 2003 para US$ 16,1 bilhões em 31 de março de 2008 - dois terços dos quais em empréstimos contraídos só pela Turquia.

Déficit orçamentário

Quando Dominique Strauss- Kahn assumiu a direção, em novembro de 2007, a instituição anunciou um déficit orçamentário; meses antes, o relatório Crockett, ao publicar os resultados da sua auditoria financeira, havia preconizado a redução das despesas correntes, além da venda de parte do estoque de ouro, de modo a garantir um fluxo de caixa mínimo. Na primavera de 2008, Strauss-Kahn demitiu 380 funcionários dos 2.634 do Fundo.

Com as primeiras crises de liquidez, no outono de 2008, a situação melhorou: De outubro de 2008 a janeiro de 2009, nada menos que nove países recorreram ao FMI. O total de seus empréstimos alcança US$ 48,673 bilhões.

À medida que a lista dos países em crise crescia (Romênia, Líbano, Turquia etc.), tornou-se evidente que os recursos seriam insuficientes para atender à demanda de países em apuros. Isso explica o porquê da multiplicação por três dos seus recursos, anunciada com estardalhaço publicitário pelo G20.

A reforma do Fundo, decidida na mesma ocasião, revelou-se mais discreta. Mas dois progressos merecem ser salientados: o fim do monopólio europeu da escolha da sua diretoria e a revisão das quotas até 2011, que objetiva aumentar o direito de voto dos emergentes.

Essas medidas se destinam a promover a democratização da instituição, cujo modo de decisão censitário e baseado nos equilíbrios do pós-guerra prevê que países industrializados, como principais contribuintes, são detentores da maioria dos votos. Contudo, depois de uma primeira reforma cosmética em 2006, esse ajuste se aplicará a só 10% do direito de voto, o que pouco modificará os equilíbrios.

Além disso, o G20 não teve progresso no que diz respeito às condições que o FMI costuma impor para outorgar empréstimos. Vale reconhecer que ele confirma a nova linha flexível de créditos (LFC) implantada em outubro de 2008, que consiste em fornecer, aos países em situação difícil, liquidez por período de três meses sem exigir a aplicação de programas de recuperação nem quaisquer condições relativas à sua situação estrutural. Mas essa linha de crédito de US$ 100 bilhões destina-se só àqueles cuja política é considerada "saudável" e, portanto, diz respeito a um número reduzido de privilegiados.

Em dezembro de 2007, o Escritório Independente de Avaliação do FMI constatou, em relação a 120 programas financiados em 55 emergentes, de 1995 a 2004, que o Fundo havia imposto 17 condições por programa - número excessivo e que deverá ser reduzido para quatro ou cinco, no futuro.

Em março de 2009, a instituição anunciou a "revisão drástica" da política de empréstimos e "o fim dos critérios de desempenho estrutural". Em vez de financiar programas cujos critérios de desempenho devem ser alcançados uma vez concedido o empréstimo, a nova regra consistiria em transferir as parcelas só quando as reformas exigidas já estiverem realizadas, o que equivale a favorecer os países "cujo desempenho é satisfatório".

Os ajustes estruturais não desapareceram; o que muda é o momento em que o pagamento é efetuado, assim como o modo de avaliação do programa. Com isso, a reforma revela ser menos profunda do que o anunciado, faltando muito para que as políticas do passado sejam canceladas.

Embora a diretoria do Fundo tivesse insistido, nos últimos meses, em preconizar um plano keynesiano de recuperação "contracíclico" para debelar a recessão, seus créditos permanecem vinculados a medidas "pró-cíclicas" que envolvem aumento das taxas de juros, redução das despesas públicas e congelamento de salários.

Conforme demonstrou um estudo da rede internacional Third World Network, sobre os empréstimos outorgados a nove países de outubro de 2008 a janeiro de 2009, as condições orçamentárias e monetárias permanecem tão restritivas quanto no passado. Entre outros exemplos, o aumento das taxas de juros foi de 6% na Islândia e na Letônia e de 2% no Paquistão, enquanto o déficit orçamentário deve ser diminuído de 3,4% para 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) na Hungria, e de 6% para 3,75% na Geórgia; e deve ser reduzido a 0% na Ucrânia. Assim, o esquema permanece o mesmo: como contrapartida para o salvamento dos sistemas bancários, são impostas medidas de austeridade e de saneamento econômicos que pesam sobre as populações locais.

Divisas supranacionais

No afã de comprovar a determinação em fazer respeitar suas condições, o FMI anunciou em 2 de abril de 2009, no mesmo dia em que o G20 decidiu triplicar recursos, a suspensão do empréstimo à Letônia até que se pudesse constatar maiores progressos na redução das despesas públicas daquele país. A Letônia pediu então, sem sucesso, que a meta de redução do déficit público para 5% fosse revisto para 7%. Alegava que não gastara mais do que o previsto no programa, mas que o problema vinha do fato de o país enfrentar uma brutal contração do PIB, o qual sofrera um déficit de 12% em 2008 em vez dos 5% previstos.

Além disso, o G20 não se manifestou a respeito dos desequilíbrios financeiros internacionais que provêm do fato de os EUA financiarem seu déficit contraindo empréstimos de modo maciço junto aos países emergentes - entre os quais a China, que se tornou o principal detentor de bônus do Tesouro americano. Não só a arquitetura monetária global sofre de instabilidade, como ainda está baseada em uma divisa cujas emissões excessivas apresentam o risco de provocar sua queda. Com isso, o sistema atual tende a se autodestruir, uma vez que a moeda de referência internacional (o dólar) é a de um país (os Estados Unidos) que tem se endividado cada vez mais.

Paralelamente, a China e os outros países emergentes têm mobilizado centenas de bilhões de dólares para financiar o déficit americano, embora necessitem sobre-maneira de recursos para o próprio desenvolvimento. Além disso, em caso de crise da moeda americana, eles correm o risco de ver as reservas em dólar se transformarem em fumaça. Não foi por acaso que o governador do BC da China propôs, nos dias que antecederam a reunião do G20, um novo sistema de reserva internacional baseado em uma divisa supranacional não vinculada a um país em particular, inspirado no modelo dos direitos especiais de saques.

Essa solução, que também foi proposta pela comissão de especialistas da ONU sobre a crise financeira, pela Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (Cnuced) e por vários outros países emergentes (Brasil, Rússia, África do Sul, Coréia do Sul etc.), se inspira em uma ideia de John Maynard Keynes. O economista havia sugerido fundamentar o sistema de Bretton Woods em uma moeda de reserva supranacional (o "bancor"), e não no dólar e no ouro como foi finalmente decidido. Essa alternativa equivaleria, portanto, a insuflar no FMI uma vida que jamais conheceu, a não ser na mente de Keynes: assegurar os equilíbrios financeiros internacionais no quadro de um sistema monetário baseado em uma moeda de reserva mundial que não seria mais vinculada a um país e, com isso, não mais perderia valor ao sabor dos déficits deste último.

A medida é politicamente impossível de implantar a curto prazo: implicaria a aceitação pelos EUA da perda do estatuto do dólar. Mas as coisas poderiam evoluir a médio prazo, no caso de uma derrocada da moeda americana. Ora, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os planos de salvamento e recuperação implicam crescimento da dívida pública americana em cerca de 40% no período de três anos. Na falta de medidas eficientes contra a especulação financeira, vão contribuir para criar novas bolhas - a bolha relativa aos bônus do Tesouro dos EUA parece crescer diante dos nossos olhos. Ora, a história financeira ensina: bolhas sempre estouram.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 14)(Arnauld Zacharie - Do Centro Nacional de Cooperação ao Desenvolvimento (Bélgica), professor das universidades de Bruxelas e de LiègeLeia entrevista na página A12)