Título: A reforma a galope
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 27/03/2011, Política, p. 6

Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

Tamanha velocidade pode ser explicada pelo entusiasmo característico de uma legislatura nova, ansiosa para mostrar serviço e afirmar-se como mais dinâmica que as anteriores

Pode-se cobrar muita coisa da Comissão Especial do Senado sobre a reforma política, mas não de andar devagar. Seu ritmo de trabalho, em qualquer comparação com o funcionamento habitual do Legislativo, é vertiginoso.

Instituída pelo presidente José Sarney no início do ano legislativo, ela começou a funcionar em 22 de fevereiro, para estudar as diversas ideias sobre o tema que circulam no meio político e apresentar, em um prazo de 45 dias, uma proposta de reforma à Casa. Se não for prorrogado, em mais 10 dias seus trabalhos estarão encerrados.

Nesse curto período, quatro mudanças de monta em nosso sistema político já foram aprovadas por seus integrantes. Mais uma meia dúzia está na fila aguardando discussão. Pelo que parece, a Comissão não precisará pedir tempo para completar a missão.

Tamanha velocidade pode ser explicada pelo entusiasmo característico de uma legislatura nova, ansiosa para mostrar serviço e afirmar-se como mais dinâmica que as anteriores. Ou pela composição da Comissão, formada por gente tão notável que dispensa os trâmites normais.

O problema é que os assuntos sob análise e as mudanças que precisam ser elaboradas são tudo menos simples. Ao contrário, exigem consideração cautelosa. E mais, são questões sobre as quais não há consenso ou mesmo opiniões assentadas.

É verdade que a Comissão não começou do zero, pois muitas propostas sobre alguns temas já haviam sido apresentadas nos últimos anos. Nunca, no entanto, sendo tratadas como partes de uma reforma maior e mais abrangente, o que é bem diferente.

Como ninguém é de ferro e o carnaval caiu na semana seguinte ao início de suas atividades, a Comissão só arregaçou mesmo as mangas depois de 14 de março. Com isso, o prazo de que dispunha, que era já exíguo, tornou-se mínimo. Passou a correr contra o relógio, discutindo e votando em tempo recorde.

Em três dias, de 15 a 17 de março, mudou as regras para a suplência de senadores, alterou a data de posse de prefeitos, governadores e do presidente da Republica, acabou com a reeleição no Executivo, aumentando a duração dos mandatos de quatro para cinco anos, e manteve a obrigatoriedade do voto. De uma penada, promoveu pequenas alterações tópicas e que contavam com apoio quase universal, como a data de posse, e mexeu profundamente em nosso sistema político, pondo fim a uma instituição que a população aprova e que deu mostras de funcionar bem, como a reeleição.

Uma medida do nível de indefinição com que os integrantes da Comissão chegam para as sessões pode ser vista na que tratou da suplência dos senadores, um dos temas mais simples. Quando a sessão começou, havia tanta incerteza que nada menos que oito diferentes ideias foram defendidas, desde não mexer em nada nas regras vigentes, até passar uma borracha em todas. No fim da tarde, terminou sendo aprovada a proposta do senador Demostenes Torres (DEM-GO), o que leva a crer que muitos de seus colegas só resolveram o que iam fazer naquele momento, ainda no calor dos debates.

Na semana que passou, havia outros cinco assuntos na pauta, todos de grande relevância, que teriam que ser apreciados, discutidos e votados. Só houve deliberação a respeito de um ¿ o fim das coligações nas eleições proporcionais ¿-, aprovado em decisão unânime. Com bom senso, a crucial questão do sistema eleitoral foi deixada para a frente, tamanho era o dissenso entre os partidos e seus representantes. Primeiro adiada da terça para a quinta, foi agendada para depois de amanhã.

Melhor assim, mas a pergunta é se o tempo adicional é suficiente para que a Comissão chegue a uma decisão madura sobre algo tão complicado e polêmico. Sem condições de votar na terça passada, quão firme será a convicção dos senadores na próxima?

Com esse adiamento, a pauta dos últimos dias ficou congestionada. Em uma só sessão, nesta quinta, ela terá que decidir sobre o financiamento das campanhas, as candidaturas avulsas e a cláusula de barreira. Na outra terça, antes da elaboração das conclusões, ainda há que discutir a filiação e a fidelidade partidárias. Frente à complexidade dessas questões, esperar que seus membros as considerem refletidamente é querer demais, até de senadores ilustres.

Todos sabem que os trabalhos da Comissão não são conclusivos e que o plenário do Senado vai discuti-los antes de os remeter à Câmara. Muita coisa pode e será mudada no longo percurso até a aprovação da reforma pelo Congresso. Talvez seja apropriado ver o produto da Comissão como um Judas que todos poderão malhar, mas que, por isso mesmo, suscitará um debate indispensável a romper a inércia que aprisionava a reforma política. Esse mérito ninguém retirará de sua atuação.

O problema dos anteprojetos é que, às vezes, em vez de provocar os debates, eles os engessam, quando não os encerram. Não seria bom para nosso sistema político que isso acontecesse agora.