Título: A receita é: se está caro, não compre
Autor: Martins, Victor ; Garcia, Larissa
Fonte: Correio Braziliense, 27/03/2011, Economia, p. 14

A nova geração não tem recordações da monstruosa inflação que assolava a economia do país nos anos 1980 e 1990. Naquela época, o descontrole dos preços levava a uma corrida por produtos que, no dia seguinte, valeriam ouro. Ainda que o país esteja longe de ser engolido pela velha inimiga, a comerciante Maria Zélia da Silva, 61 anos, já mudou os hábitos de consumo. ¿Se está muito caro, eu não compro. Isso vale para a carne, para o feijão, para o leite. Temos de nos rebelar, trocar produtos, mudar de marcas¿, aconselha. Sempre que tem oportunidade e encontra o que está procurando em oferta, Zélia arremata em grande quantidade e estoca. ¿Pode não ser a melhor opção. Mas é uma forma de se prevenir da disparada dos preços¿, acrescenta.

Apesar da sabedoria das donas de casa na administração do orçamento doméstico, os especialistas dizem que estocar produtos, principalmente alimentos, é um exagero. Haroldo Mota, professor de finanças da Fundação Dom Cabral, lembra que o Brasil de hoje é completamente diferente do de 25 anos atrás. Ele reconhece que há, atualmente, um movimento de alta de preços, mas que começa a ser contido por ações do Banco Central, como a alta da taxa básica de juros (Selic) e medidas prudenciais para conter o crédito.

¿Depois da estabilização da moeda, o avanço da inflação que observamos hoje não justifica a antecipação de consumo¿, afirma Mota. ¿Sendo assim, fazer estoques é desnecessário e pouco eficiente. Por duas razões. A principal é de ordem macroeconômica. Quando se antecipa o consumo, a demanda aumenta, os preços se aceleram e todos perdem¿, diz. ¿A segunda é que a eventual economia de antecipação e de formação de estoque pode ser enganosa, pois, comprando mais, pode-se acabar consumindo mais¿.

Bolso apertado Fábio Romão, analista da LCA Consultoria, explica que o mais saudável para o bolso, hoje, é não estocar ou antecipar consumo. No seu entender, os preços podem subir em determinado momento mas, dependendo do cenário, podem voltar a baixar. ¿O quadro atual é diferente do verificado nos anos 1980 e 1990¿, garante. Mas ele admite que já é comum encontrar casas com despensas e freezeres. Também está se tornando rotina vizinhos se juntarem para ir aos atacadões e comprarem em grandes quantidades para obter descontos. São esses mesmos consumidores que, nos mercados, se digladiam quando para tirar proveito da promoções relâmpagos.

¿Medidas estão sendo tomadas para frear a alta de preços. Os efeitos da elevação da Selic (que passou de 10,75% para 11,75% em 2011) são defasados. Demoram de seis a nove meses para mostrar os impactos sobre a atividade e os preços¿, argumenta Romão. Ele destaca ainda que o Banco Central adotou medidas prudenciais que deixaram o crédito mais caro e os prazos de pagamento, mais curtos. Além disso, os bancos tiveram de recolher compulsoriamente, desde dezembro do ano passado, mais de R$ 90 bilhões aos cofres da autoridade monetária. ¿Tudo isso ajudará a conter o consumo e a reverter a onda de remarcações dos preços. É questão de tempo.¿

A despeito do que já foi feito, os analistas reconhecem que o BC terá de promover pelo menos mais uma alta dos juros e a baixar mais restrições ao crédito. Com isso, o nível da atividade econômica, que pressiona, sobretudo, os preços dos serviços (cabeleireiro, mecânico, chaveiro, entre outros), deverá arrefecer, com o ritmo de expansão acomodando-se em torno de 4%.Uma desaceleração para esse patamar (no ano passado, o PIB deu um salto de 7,5%), na teoria, deve colocar o país de novo em uma rota de inflação mais cômoda para os consumidores.

Promessa deve ser cumprida O economista Aurélio Bicalho, do Itaú Unibanco, diz que, com a atividade esfriando, o mercado de trabalho também se acomodará e o aumento da renda não deixará de ser um impulsionador do consumo, ajudando no combate à inflação. Ele ressalta, porém, que o governo terá de fazer a sua parte, ao cumprir, na íntegra, a promessa de cortar R$ 50 bilhões do Orçamento deste ano. O peso do Estado na economia brasileira ainda é muito grande. Se estimular demais a demanda pode minar todo o esforço que vem sendo feito pelo Banco Central para levar a inflação ao centro da meta, de 4,5%, até o início de 2011.